Sherlock Holmes e a oportunidade disfarçada
outubro 8, 2020Sir Arthur Conan Doyle, autor dos famosos contos protagonizados pelo excêntrico detetive Sherlock Holmes, talvez não imaginasse que, mais de 90 anos depois de sua morte, gerações de pessoas ao redor do mundo se tornariam admiradoras de seu personagem, formando uma verdadeira legião de fãs – um deles é este que vos escreve.
Confesso que me tornei um aficionado pelas histórias do senhor Holmes – um sujeito excêntrico, boêmio e de certo modo arrogante, mas totalmente cativante – e de seu fiel companheiro Watson há pouco tempo.
Isso aconteceu logo depois que assisti a uma série chamada Sherlock, produzida pela BBC e disponível na Netflix, que mostra como o detetive resolve crimes envoltos em inúmeros mistérios com seu método científico e sua brilhante lógica dedutiva – recomendo fortemente que você a assista também.
Para desvendar os mistérios, Sherlock recorre sempre a seus conhecimentos em química, física, anatomia e direito. Mas sua principal “ferramenta” é o Palácio Mental, um método de memorização que permite ao indivíduo se lembrar de pequenos detalhes sobre coisas que já leu, ouviu ou simplesmente presenciou, e que são empregados na solução dos casos.
Além de todos esses talentos, Holmes também era descrito como um mestre dos disfarces, e os utilizava com destreza como meio de resolver os mistérios. Ele chegou a se passar por clérigo, encanador, operário e marinheiro em alguns contos.
E é exatamente nesse ponto em que a trajetória do detetive e do mercado financeiro se encontram. Isso porque, quando Sherlock estava disfarçado, nem mesmo seu melhor amigo Watson conseguia reconhecê-lo, ainda que estivessem cara a cara.
É basicamente isso ocorre com certas oportunidades no mercado financeiro. Na grande maioria das vezes, elas ficam pairando sobre o olhar atento dos investidores, que passam horas e horas observando telas cheias de números, mas nem ao menos conseguem perceber estão bem diante de seus olhos.
Me arrisco a dizer que as melhores oportunidades surgem no mercado financeiro quando um grupo de pessoas (às vezes, a maioria) está muito, mas muito preocupado com algum fator relevante que pode repentinamente degradar a economia e o ambiente de negócios de um país: uma crise política, desentendimentos diplomáticos, eleições e, até mesmo, crises fiscais.
Um exemplo marcante e recente que posso citar é o Joesley Day, em 17 de maio de 2017. Para quem não se lembra, a data marcou o vazamento do áudio de uma conversa entre Joesley Batista, empresário e um dos donos da JBS, empresa do setor do agronegócio brasileiro, com o então presidente do Brasil, Michel Temer, que fazia referência a um suposto pagamento periódico realizado a um deputado preso. Foi na ocasião, aliás, que a célebre frase “Tem que manter isso aí, viu?” chegou até nós.
Nos dias seguintes à divulgação do áudio, os ativos brasileiros se deterioraram de maneira intensa. O título público IPCA+ 2045 sofreu uma incrível desvalorização de 22%, enquanto o Ibovespa levou um tombo de quase 9%.
Na mesma semana, as avaliações quanto aos impactos da conversa vazada em nossa economia e política eram as mais catastróficas possíveis.
Nessa hora, grande parte dos investidores acreditava que, daquele momento em diante, o governo do presidente Temer não conseguiria manter um nível razoável de governabilidade, o que prejudicaria nossa atividade e as perspectivas para o futuro. Foi esse medo que fez com que os ativos brasileiros despencassem.
Mas o que parecia o fim do mundo, ou o fim do mercado brasileiro, era na verdade uma oportunidade disfarçada.
O medo e o receio eram tão grandes que pouquíssimos investidores se sentiram seguros em ter uma posição em ativos de risco no Brasil. Por conta disso, venderam seus títulos, o que ocasionou a queda dos preços.
Já os investidores que perceberam a oportunidade compraram os ativos de risco e angariaram retornos de 33% e 42%, respectivamente, no Tesouro IPCA+ 2045 e no Ibovespa nos seis meses seguintes.
A operação envolvia riscos, é inegável, mas vou dizer uma verdade inconveniente: nenhuma oportunidade de ganhos consideráveis virá de um cenário que não apresente riscos, acredite.
No ápice da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus, em março deste ano, também vimos uma situação semelhante em relação ao mercado.
Incertezas, recessão econômica, quarentenas implementadas de uma hora para outra, quebra de empresas… economistas e analistas faziam as piores previsões possíveis.
Diante desse cenário, poucos investidores tiveram estômago para aguentar os solavancos de ativos de risco, e o Tesouro IPCA+ 2045 e o Ibovespa desvalorizaram respectivamente 20% e 30% no mês de março, o auge do temor.
E, mais uma vez, a oportunidade veio seguida de uma possível derrocada na economia brasileira, com projeções que apontavam para quedas superiores a 10% do PIB.
De abril até setembro, esses mesmos ativos que apresentaram queda relevante no mês de março já acumulam retornos de 10% e 30%, respectivamente, mesmo com as recentes quedas das últimas semanas.
Dessa forma, também afirmo que é difícil que uma boa oportunidade de ganhos surja para você quando não houver um risco relevante no radar dos investidores.
Quer um exemplo?
No fim de 2019, pouquíssimos analistas e economistas cogitavam lombadas para a economia brasileira à frente.
As apostas feitas na aprovação das reformas estruturais de que o Brasil tanto precisava – como a tributária e a administrativa – e na retomada em um ritmo de crescimento forte da atividade, que impulsionaria seus ativos, eram unânimes.
E, justamente por isso, o espaço para ganhos era muito limitado. Já a margem para perdas… bem, nós vimos o que aconteceu em fevereiro e março deste ano.
Hoje, a preocupação com a sustentabilidade fiscal do Brasil cresce a cada dia, o que fez com que as taxas de juros futuras apresentassem altas relevantes nas últimas semanas, até mesmo as de curto prazo.
Com temores e preocupações crescentes, o ambiente para o mercado brasileiro vem se deteriorando, e os investidores começam a ficar preocupados.
Mas a pergunta que eu não paro de me fazer é: essa é outra oportunidade disfarçada? Ou, desta vez, não há qualquer disfarce, o problema realmente existe e pode de fato prejudicar o mercado por um longo período?
Do meu ponto de vista, com a piora recente dos ativos brasileiros, algumas oportunidades já começam a surgir, principalmente nos títulos prefixados que vencem em até três anos. Eles precificam uma alta de juros no curto prazo e de intensidade forte a partir da reunião do Copom já deste mês.
Para o investidor ou a investidora paciente e que aceita certo balanço em sua carteira, pode ser uma boa hora de entrada.
Tenha sempre em mente que boas oportunidades de ganhos surgirão com mais força em momentos de estresse. Cabe a nós investidores descobrirmos se esse estresse é um disfarce que não reconheceríamos logo de cara ou se realmente é aquilo que tememos.
Fico aqui pensando se Sherlock Holmes teria a capacidade de decifrar as oportunidades do mercado em meio a momentos de estresse. Você acha que ele conseguiria?
Abraços,
Gui Cadonhotto