Ser ESG não é abrir mão de rentabilidade – muito pelo contrário
junho 28, 2020Colunista convidado: Lincoln Camarini, analista ESG da consultoria Resultante
Por muitos anos debateu-se sobre o foco das empresas na geração de lucro para os acionistas ou sobre a geração de valor para os stakeholders, como se estes dois aspectos fossem questões excludentes entre si. Em 1970, Milton Friedman, economista americano e um dos grandes defensores do liberalismo econômico, publicou um artigo denominado “The Social Responsibility of Business is to Increase its Profits”, onde defendia que a única obrigação das companhias era a de gerar lucros para seus acionistas. Com os desafios que o mundo possui atualmente e a responsabilidade corporativa sendo cada vez mais debatida pelo mercado, essa tese ainda faz sentido? Por muito tempo, levantamos uma bandeira de que a economia voltada para o acionista possuía uma dicotomia muito grande em relação a uma economia que privilegie colaboradores, clientes, fornecedores e sociedade, quando na verdade elas são complementares.
E é esse o contexto que vivemos atualmente. Estamos migrando de um “capitalismo dos acionistas” para o “capitalismo das partes interessadas”, ou melhor, começando a entender que esse dilema não existe. Shareholders precisam de stakeholders para gerar retorno, logo as ações que beneficiam esses públicos, incluindo entre eles o meio ambiente, também otimizam o retorno para os acionistas. Conseguimos reunir tais conceitos dentro de uma única sigla, cada vez mais conhecida: ESG (do inglês Environmental, Social and Governance).
Mas diante da ascensão dos debates sobre as questões ESG e dos crescentes impactos que essa agenda traz nas operações das companhias, uma questão sempre é levantada: considerar aspectos socioambientais e de governança nos investimentos significa abrir mão de rentabilidade?
Spoiler Alert: Não, muito pelo contrário. Alguns players importantes do mercado já se fizeram essa pergunta e chegaram a conclusões muito interessantes.
Entre os investidores institucionais, o debate se insere cada vez mais no mainstream das análises e gestão de ativos. O principal acordo global para intercâmbio de práticas responsáveis na decisão de investimentos é o PRI (sigla para Principles of Responsible Investment), criado em 2005 no âmbito das Nações Unidas, apresenta um crescimento exponencial da sua rede de investidores, atingindo mais de 3000 signatários e mais de US$ 10 trilhões de ativos sob gestão. Em algumas regiões, como na Austrália e na Europa, os ativos que passam por alguma estratégia de investimento responsável chegam a ultrapassar 50% dos mercados de capitais de suas regiões.
Ainda assim, alguns argumentam que estes investidores estão dispostos a abrir mão de retorno por questões éticas. Entre os vários estudos realizados pelo PRI, destaco um que a entidade realizou em 2017, sobre a performance de ativos com bons scores ESG (de acordo com métricas específicas de desempenho nessas questões, fornecidas pela MSCI) contra índices de mercado mundiais, mostrando que tais ativos possuem um ganho de alfa relevante. O gráfico abaixo mostra a performance de ativos que mostraram melhora em seus scores ano a ano (Momentum) e que tenham scores absolutos altos (Tilt) contra o MSCI World Index, índice de referência mundial e que tem em sua composição empresas consolidadas de 23 países diferentes.
Os estudos feitos pela academia também apresentam relações positivas entre as práticas ESG e o desempenho das companhias. Robert Eccles, professor de economia da Harvard Business School e um dos maiores pesquisadores sobre ESG do mundo, em 2012 encontrou evidências em seu artigo “The Impact of Corporate Sustainability on Organizational Processes and Performance” de que “as empresas de alta sustentabilidade também têm um desempenho melhor quando consideramos as taxas de retorno contábil, como retorno sobre patrimônio líquido (ROE) e retorno sobre ativos (ROA)”.
Entre os analistas, tanto no buy side como no sell side, a tendência se mantém. A Nordea, grupo financeiro nórdico conhecido pelo engajamento na agenda ESG, também concluiu em um relatório de research de 2017 que companhias com um score ESG alto performaram melhor tanto em preço por ação, no período observado, quanto no seu ROE.
Só para reforçar a importância destes resultados, no livro Warren Buffett and the Interpretation of Financial Statements, o bom velhinho cita que um ROE elevado pode ser entendido como uma vantagem competitiva e uma boa métrica da capacidade da empresa de gerar valor para seus acionistas no longo prazo.
Este ano, em meio à crise provocada pandemia global da COVID-19, também foi notado pelo Financial Times que boa parte dos fundos de investimento ESG globais (6 em cada 10) foram capazes de bater o índice MSCI World Index durante toda a década passada, além de apresentarem um retorno excedente aos fundos tradicionais durante a liquidação causada nos mercados pelo coronavírus. O levantamento feito pela MorningStar abrangeu 745 fundos ESG europeus.
E por que isso acontece?
Companhias com boas práticas ESG, de fato enraizadas em sua cultura, tendem a oferecer:
- um espaço de trabalho inclusivo para seus colaboradores (e com isso atrair e reter os melhores talentos),
- minimizam impactos feitos no meio ambiente e em comunidades de entorno (mitigando assim o risco de multas e protestos que possam incorrer em danos operacionais e reputacionais),
- estão atentas aos níveis de satisfação e reclamação de clientes (a ponto de ter sistemas internos que trabalhem os indicadores para melhorar a experiência do cliente e ampliar seu market share e fidelização),
- possuem iniciativas de ecoeficiência (diminuindo custos operacionais com a consequente redução do uso de água, de energia e de geração de resíduos),
- programas de integridade robustos (a fim de minimizar riscos de fraude e corrupção internamente)
- e se antecipam a movimentos e demandas globais como as questões climáticas, mudanças demográficas e de padrão de demanda.
Por essa ótica, conseguimos entender que ESG pode ser entendido como uma proxy de gestão de riscos e um driver de inovação, produtividade e geração de oportunidades de negócio dentro de uma empresa. Ao endereçar os pontos acima, as companhias que se enquadram nesse perfil mostram uma boa leitura de mercado e acabam conseguindo antecipar tendências.
No mercado financeiro, o “G” já faz parte dos debates e da cultura do investidor, tanto pelo aspecto de mercado como, cada vez mais, regulatório. O que se observa agora é um amadurecimento do olhar para o ambiental e o social. Questões como a equidade de gênero e diversidade, por exemplo, começaram a ser amplamente debatidas apenas recentemente, e a crise do coronavírus acabou potencializando o debate em torno do “S”, expondo a vulnerabilidade e necessidade de preparo das empresas para eventos extremos.
As diversas pesquisas científicas que alertam sobre as mudanças climáticas e seus desdobramentos são hoje o foco do “E” mundialmente. Endereçar questões socioambientais acaba virando quase que uma regra para a retomada econômica e para o tão falado “novo normal”: priorizar e integrar tais inputs dentro das estratégias das empresas, além de trazer um retorno positivo para a sociedade a para o meio ambiente, traz também um enorme potencial para geração de valor junto aos investidores no longo prazo.