Orçamento irrealista coloca em xeque teto de gastos, afirmam economistas

Orçamento irrealista coloca em xeque teto de gastos, afirmam economistas

setembro 3, 2020 Off Por Today Newsroom

Várias notas de cem reais na mão de uma pessoa que não aparece na foto.
(Shutterstock)

O envio de um Orçamento com espaço zero no teto de gastos antes mesmo de qualquer previsão de recursos para o Renda Brasil, novo programa social que está nos planos do governo, despertou desconfiança entre economistas.

A avaliação é que a proposta de gastos para 2021 está irrealista e que o risco de descumprimento da regra constitucional que limita o avanço das despesas à inflação é elevado.

O governo encaminhou na segunda-feira, 31, a Proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2021 com as despesas cravadas no limite do teto, que é de R$ 1,486 trilhão.

As chamadas despesas discricionárias, que não são obrigatórias e podem ser remanejadas, como investimentos e custeio da administração pública, devem ficar em R$ 92 bilhões, patamar considerado baixo pelos economistas.

A proposta eleva o valor destinado ao Bolsa Família no ano que vem a R$ 34,9 bilhões. A razão, porém, é a expectativa de aumento no número de famílias em situação de pobreza de acordo com os critérios atuais – ou seja, ainda não contabiliza a ampliação de alcance e valor almejada pelo presidente Jair Bolsonaro e para a qual é preciso injetar mais dinheiro.

“Ou é o Renda Brasil ou é o teto de gastos na forma atual. As duas coisas não vai ter”, diz o economista Guilherme Tinoco, especialista em contas públicas. Para ele, não há espaço para conseguir R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões extras para colocar de pé um programa social no formato desejado pelo presidente, ainda mais depois de Bolsonaro ter vetado a extinção de benefícios já existentes, como o abono salarial – que custa R$ 20 bilhões ao ano e é considerado ineficiente pela equipe econômica.

Para Tinoco, a dificuldade persistirá porque, mesmo com a promessa de envio da reforma do RH do serviço público, a proposta “não é uma super bala de prata”. Por não atingir servidores que já estão na carreira, ela “não tem impacto fiscal grande no curto prazo”.

Espaço menor

O diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, calcula que os gastos obrigatórios com benefícios sociais estão subestimados entre R$ 10 bilhões e R$ 11 bilhões. Ou seja, na prática o governo tem, pelos cálculos da IFI, um espaço ainda menor para gastar.

“E, mesmo assim, a despesa discricionária está muito baixa. O Orçamento enviado tem um quê de irrealismo, não está refletindo o que vai ser a política fiscal”, disse Salto. “Fica parecendo que é outro país, que o teto vai ser cumprido. Não é muito útil isso para o debate, está só tapando o sol com a peneira.”

Para o diretor executivo da IFI, o risco de descumprimento é alto, já que os gatilhos de contenção de despesas previstos no teto e que o governo quer acionar antecipadamente podem não ser suficientes para abrir espaço ao Renda Brasil.

Leia mais: Governo erra ao ignorar risco de rompimento do teto de gastos, diz Felipe Salto

Nesse cenário, anunciar um Orçamento como o apresentado, diz Salto, é passar uma “mensagem errada”. “O teto ficou apertado mais cedo, não pode ser draconiano. Não adianta ficar preso a uma coisa por ideologia. Não é pecado mortal aperfeiçoar uma regra fiscal. O que não pode é dar cavalo de pau”, afirma.

Na área econômica, técnicos reconhecem reservadamente que as dificuldades para cumprir o teto estão cada vez mais fortes. Diante de uma defesa por mais despesas até por parte de Bolsonaro, um grupo avalia que insistir no teto no formato atual pode levar a equipe econômica a um isolamento na discussão do futuro fiscal do País.

O economista Fabio Terra, professor da Universidade Federal do ABC, alerta que é difícil acreditar que, no primeiro ano após o surgimento da pandemia, o governo não precisará aumentar despesas para apoiar famílias e empresas na retomada. “A proposta de Orçamento está irrealista”, avalia.

Crítico do teto, Terra defende uma reforma na regra mantendo o “espírito” de disciplina fiscal, mas com maior flexibilidade que o limite atual para que a norma seja mais funcional e exequível.

Ele reconhece que há um risco de uso político da flexibilização do teto, sobretudo num ambiente de pressão por mais gastos já de olho nas eleições de 2022. Porém, o professor alerta que mantê-la também pode trazer custos.

“A penúria é tão grande que, se insistirmos em voltar no ano que vem ao patamar de gastos antes da pandemia, o Brasil pode sofrer um choque recessivo em 2021”, diz.

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