O que você não encontra no Posto Ipiranga? O desenvolvimentismo irresponsável
abril 30, 2020Desde o início da pandemia, esta coluna vem chamando a atenção para o risco de uma guinada desenvolvimentista no Brasil. Essa política seria marcada pela elevação do gasto público, afrouxamento fiscal e monetário, com objetivo de gerar mais crescimento econômico.
Em parte, esse namoro com políticas mais keynesianas já ocorre atualmente. A fim de socorrer os mais pobres e o pequeno empresário, o governo flexibilizou a política monetária e fiscal. Esse afrouxamento foi marcado pela expansão do crédito, juros menores, facilitação na negociação de dívidas, créditos subsidiados, saques do FGTS, adiamento no pagamento de tributos, desonerações fiscais, etc.
Diante da realidade atual é compreensível e necessário a adoção de tais medidas para evitar um colapso econômico. No entanto, é fundamental que essas medidas tenham um apenas caráter emergencial, e não se transformem em políticas econômicas permanentes.
Infelizmente, esse risco está longe de ser desprezível. Pelo contrário, o Congresso Nacional aprovou medidas que vão contra a austeridade fiscal e que nada tem a ver com a realidade emergencial da Covid-19. Um exemplo disso foi a aprovação do aumento do limite de renda familiar mensal per capita para idosos e pessoas com deficiência terem acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada).
Mas o risco não advém apenas do Congresso Nacional, mas de dentro do Executivo também. Hoje, no Estadão, José Fucs publicou um artigo “Análise: Apesar de afago de Bolsonaro, Guedes ainda não ganhou a ‘guerra” chamando a atenção para o embate de duas visões coexistentes no governo: uma, liberal e, outra, desenvolvimentista.
Segundo o artigo, a visão desenvolvimentista seria materializada pelo Plano Pró-Brasil, no qual o governo teria papel fundamental pela elevação do investimento público a fim de gerar crescimento econômico. Segundo Fucs, o programa seria “semelhante aos adotados nos governos petistas, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e no regime militar”.
Se implementado, o plano seria um desastre para o país diante da realidade fiscal brasileira. De acordo com o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, o déficit primário em 2020 deverá ficar próximo de 8% do PIB e a relação dívida/PIB em 90%. Com esses números, possivelmente o Plano Pró- Brasil teria o mesmo destino do famigerado PAC.
O motivo para o fracasso é o mesmo: com elevação do risco de um calote da dívida pública, os investidores e empresários se tornam mais avessos ao risco, reduzindo investimentos, cortando custos e aumentado o caixa. Nesse ambiente, a política fiscal expansionista, no máximo, teria um efeito pequeno e imediato sobre o PIB – um voo de galinha –, com estragos duradouros sobre a renda, o emprego e o crescimento a médio e longo prazo.
Ora, não foi exatamente isso que ocorreu durante o governo Dilma? Estímulos fiscais e monetários que geraram um pequeno crescimento econômico nos anos três primeiros anos de governo com um efeito colateral devastador sobre a renda e o emprego a partir de 2014. Efeitos esses que pagamos a conta até o hoje.
Sem contar que o aumento do gasto público no governo Dilma ocorreu numa situação fiscal bem mais confortável do que a de agora. Na época, o superávit primário era positivo, e a dívida pública estava na casa de 65% do PIB.
Imagine agora um expansionismo fiscal com dívida pública na casa de 90% do PIB e déficit primário de 8% do PIB; qual seria a reação de empresários e investidores?
Mas não adianta, no Brasil, ainda predomina a visão do “Estado salvador”. Acredita-se que basta elevar o gasto público, que a demanda irá se aquecer, as empresas aumentarão a sua produção e, consequentemente, o governo arrecadará mais, resolvendo o problema fiscal.
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Esse raciocínio ignora o efeito dinâmico das expectativas. Numa situação de deterioração fiscal, empresários não investiriam, apesar de todos os estímulos do governo. Nesse caso, o aumento do gasto público seria inócuo: não geraria crescimento econômico e aumentaria ainda mais o desemprego e a queda na renda.
Ora, se fosse tão simples assim, bastaria aumentar o gasto público que acabaríamos com a pobreza no mundo, e a Venezuela seria o país mais rico do planeta.
Em suma, se o Plano Pró-Brasil vingar, será um desastre para o Brasil. Tomara que Bolsonaro continue com o único produto plano que você não encontra no Posto Ipiranga: o desenvolvimentismo irresponsável.
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Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós-graduação.