“Eventual taxação de compras internacionais não nos afetaria”, diz CFO da Infracommerce (IFCM3)
abril 23, 2023Se você faz compras pela internet, provavelmente já acessou algum site dela. A Infracommerce (IFCM3) é a empresa responsável pela estrutura de e-commerce de grandes marcas conhecidas pelos brasileiros, como Samsung, Nike, Vivo, Cartier, Motorola, Unilever, Montblanc, Arno, Ambev, Nespresso, Philips, Johnson&Johnson, Levi’s, Pandora, Hershey’s, entre outras.
Ela não só cria os canais próprios de vendas diretas das marcas aos consumidores, como também é responsável pela estrutura de pagamentos, segurança/fraudes, SAC, business intelligence, gestão de logística, logística reversa etc. Quanto mais as marcas vendem, mais ela lucra. “A marca faz o marketing, define o sortimento, o produto, o preço, o desconto, as campanhas. Ela foca muito em lançamentos, novos produtos e tal. A gente faz a operação mesmo”, explica Fábio Bortolotti, CFO da Infracommerce.
Ao InfoMoney, o executivo falou sobre a estratégia de aquisição de outras companhias pela Infra, tanto no Brasil quanto em mais países da América Latina, que foi apoiada pelo capital levantado no IPO da empresa na B3 em 2021. As operações geraram altos custos ao grupo e elevaram o endividamento (alavancagem), mas, segundo Bortolotti, a Infracommerce vem tentando arrumar a casa desde o ano passado e o balanço do terceiro trimestre de 2023 já deve estar bem mais “limpo” após a integração de sistemas das adquiridas.
De dezembro de 2020 a janeiro de 2022, a Infra fez seis aquisições (Pier8, Summa Solutions, Tatix, Synapcom, Tevec e Brandlive Colombia S.A.). Em outubro do ano passado, a empresa levantou quase R$ 401 milhões em um aumento de capital privado e renegociou os termos de parcelas relativas a earnouts dos M&As. A alavancagem, então, caiu para 2x (relação entre dívida líquida e Ebitda). Em janeiro de 2023, a Infracommerce comprou a chilena Ecomsur. O CFO do grupo disse ao InfoMoney que as aquisições, por ora, terminaram, já que a empresa é líder nos oito países onde atua.
A Infra registrou prejuízo líquido de R$ 71,4 milhões no quarto trimestre de 2022, um aumento de 207,9% em relação ao mesmo período de 2021. O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) ajustado foi de R$ 43,1 milhões, alta de 144% na comparação anual. Já a receita líquida cresceu 58,2%, para R$ 261,8 milhões.
No acumulado de 2022, a companhia teve prejuízo líquido de R$ 264,9 milhões, sete vezes acima do prejuízo de R$ 39,1 milhões do ano anterior. A receita líquida subiu 111%, para R$ 891,3 milhões, na mesma base de comparação, e o Ebitda teve aumento de 234,5%, para R$ 56,8 milhões.
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Leia abaixo os principais trechos da entrevista exclusiva de Fábio Bortolotti, CFO da Infracommerce, ao InfoMoney.
InfoMoney: A Infracommerce fez importantes movimentos de M&A (fusões e aquisições) ao longo de sua história. De onde surgiu essa necessidade de expansão inorgânica?
Fábio Bortolotti: Somos um business que requer escala. Eu não consigo prometer uma coisa em uma startup minúscula. No planejamento estratégico que a gente fez, a gente foi uma startup de 2012 a 2019 que cresceu organicamente, conseguindo algumas marcas. Às vezes até já prometendo o nível de serviço que a gente iria alcançar com a escala dos próprios clientes.
Chegamos numa escala boa, só que a gente precisava dar um próximo passo, mais agressivo. Tínhamos uns R$ 200 milhões de faturamento, mas queríamos R$ 1 bilhão. Na verdade, para nós o que vale é o GMV, que é o quanto a gente transaciona — que no ano passado foram R$ 13 bilhões. Se você pegar qualquer grande marketplace na comparação, a gente está ali, no mesmo nível.
A Infra é uma empresa que não necessita de caixa nem para crescer, nem para se manter, porque a gente não tem capital de giro. Os clientes colocam o estoque, e a gente só repassa o que a gente recebe dos consumidores. Então, a gente deu início a um movimento de M&A para ter essa aceleração nessa massa crítica.
A gente fez alguns M&As no Brasil de consolidação. A gente comprou a [empresa] número dois e a número três do setor. E também fizemos aquisições na América Latina. A gente comprou o player que a gente já era sócio minoritário, compramos o resto da operação. E agora recentemente compramos mais uma empresa nos países que faltavam a gente ser líder. Hoje a gente é líder, sei lá, umas 10 vezes maior que o segundo colocado em qualquer país que a gente atua.
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IM: O IPO que vocês fizeram em 2021 foi para continuar esse movimento de aquisições?
FB: A gente levantou o IPO basicamente para isso. Tanto que foi só um IPO primário. Foi um IPO que já estava no fechamento, no apagar das luzes do mercado financeiro, que foi ali em maio de 2021.
A gente entrega o nosso orçamento na vírgula. Obviamente, no mercado financeiro, você abre o capital exatamente para ter acesso ao capital. Assim, a gente veio executando o que foi prometido. Se você olhar o nosso plano aqui, a gente está 32% acima do que a gente prometeu para 2022 e 2023. Então, a gente vem executando em todas as linhas.
IM: De lá para cá, o cenário mudou. Os juros subiram bastante. Como isso afetou a empresa? E essas aquisições todas também não penalizam o balanço?
FB: O mercado ‘fechou’ [ficou menos atrativo] e o juro subiu muito do que a gente esperava ali na época. Então, a gente tomou algumas dívidas. São dívidas que — a gente até fez um aumento de capital recente pequeno — estão bem equilibradas para o tamanho da companhia. Mas tem os juros altos, e com isso um prejuízo líquido de pagamento de juros, principalmente.
E todos esses M&As balançam muito o resultado. Você tem muitos [valores] não recorrentes. Você tem, por exemplo, uma amortização de um ágil que passa dentro do resultado, mas não tem nada, não é caixa. Você tem o earnout que está vinculado à permanência do executivo. Então, a auditoria joga isso como salário. Imagina, eu estou pagando R$ 10 milhões por mês para o cara de salário.
Só que tudo isso balança, bagunça bastante os demonstrativos financeiros. Mas desde o ano passado a gente já está limpando isso. Tem muita coisa que ainda vai mais um tempo. Então, ficou muito difícil também analisar a Infracommerce.
Nosso ano de 2021 foi de consolidação de M&As. O ano passado a gente praticamente não fez M&As, tirando esse do Chile e México. Foram trimestres de arrumação da casa e para começar a capturar essas sinergias.
No nosso caso, a gente não pode se dar o luxo de emparelhar as empresas e só pegar essa sinergia de finanças e RH. A gente de fato tem que integrar porque a gente se propõe a ser um Mercado Livre, uma Amazon ali por trás da máquina. Então, eu não posso ter um CD [centro de distribuição] que tem três sistemas rodando. Eu não posso ter um SAC que tem três sistemas.
É uma integração que dói, porque você tem que trocar, imagina, são 600 clientes. Cada cliente está plugado em um conjunto de 80 sistemas, no total a gente tem 260. Eu tenho que ir migrando todos os clientes para o sistema que vai ficar para poder desligar o anterior. É um processo longo que a gente passou forte no ano passado e ainda tem um pouquinho para fechar neste ano. Então, o resultado já veio melhorando nesse sentido.
Por isso que a gente sempre conseguiu captar dinheiro com os bancos, mesmo agora, depois do caso Americanas. A gente já emitiu uma debênture com o Banco do Brasil, captamos com o Santander. Os bancos estão entendendo, estão vendo a empresa crescendo.
IM: Mas como o mercado enxerga essa dívida da companhia e o prejuízo? Alguns analistas veem com cautela.
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FB: O mercado financeiro olha para trás. Tem muito essa visão do trimestre passado, com a dívida e tal. Mas a gente está bem tranquilo porque a nossa receita continua crescendo, porque a gente não só tem novos clientes, como os nossos próprios clientes crescem. A gente é bem estável nesse ponto. A gente sempre está lá crescendo e agora temos sinergias.
Então, a gente está nesse processo muito interno de ganho de eficiência, desde o ano passado, quando a gente terminou as aquisições. Isso deve acontecer até o final deste ano, no Brasil. E na América Latina, a gente está ainda no começo de uma integração, mas no Brasil a gente já está na fase final.
Lá para o terceiro trimestre de 2023 você já vai ver uma empresa muito mais limpa nos números, já com uma visão bem clara de quanto foram as sinergias dos M&As, qual o patamar de Ebitda da companhia, de receita, de tudo. O modelo de negócio nosso não consome caixa, é um modelo muito vencedor e, agora com escala, deve ser mais ainda.
IM: Há necessidade de novas captações em 2023?
FB: Basicamente a gente não tem nenhuma necessidade de captação, porque a gente acabou de captar em março e abril, e a gente já tem tudo o que a gente precisa para o ano. As nossas dívidas de curto prazo já estendemos para quatro anos, fizeram parte dessa última captação, então não temos mais nenhuma necessidade de curto prazo.
Óbvio que sempre tem uma oportunidade, linhas de Finep, BNDES, que são super baratas, você capta até para pôr no caixa com esses juros e até ter um lucro, mas não para a necessidade da companhia. Nosso perfil de dívida é de longo prazo. A gente tem uma com o Itaú de cinco anos e agora esses dois [Banco do Brasil e Santander] foram de 4 a 3 anos, então a gente está bem confortável.
A gente até divulgou um guidance de crescer nosso Ebitda em mais de 70% neste ano, então a dívida cabe normalmente. Não teria nem a necessidade de reduzir o nível de alavancagem, apesar de que a nossa ideia é gerar mais caixa para reduzir esse nível, que no final deste ano vai estar super confortável, no nível de uma estrutura de capital ótima.
IM: E a expectativa para o e-commerce no Brasil? Houve uma redução do ritmo de crescimento com a volta à vida presidencial no pós-pandemia. Como isso afeta vocês?
FB: O mercado como um todo cresceu menos, mas é um mercado que é fundamental. Você vai ampliar em algum momento a penetração nos países. É um mercado que vai continuar crescendo, porque ele ‘rouba’ share do varejo. Mesmo quando o varejo não cresce, o e-commerce pode crescer. Tem cliente que com a gente cresceu 100%, porque ele aumentou de 2% para 4% as vendas online. O mercado de e-commerce total cresceu 1,6% no ano passado e a gente cresceu 25%. A gente tem algumas unidades de negócios e nichos dentro do e-commerce que crescem muito mais que a média. Não é mágica.
Há uma tendência no mercado de que marcas relevantes tendem a querer priorizar ter seu canal próprio [de vendas pela internet] versus ficar dependendo de um Mercado Livre, uma Amazon, isso em qualquer lugar do mundo. E jogam com isso também: ‘ah esse portfólio mais premium eu vou colocar no canal próprio porque eu não quero levar esse fluxo para o marketplace onde eu posso perder a venda e não ter os dados do cliente, mas esse portfólio mais para bater promoção eu vou jogar lá’. Só que é preciso ter um site bom, senão ninguém visita. E ninguém mais quer receber em 10 dias em casa. Esse nicho, que chama direto ao consumidor, cresceu 22% no ano passado, então a gente cresceu um pouquinho mais do que ele.
Há uma variável que é o e-commerce B2B, ou e-commerce de abastecimento. Por exemplo, um site da Unilever vendendo para um supermercado. O supermercado compra online, a Unilever entrega. Esse é um setor que é muito inexplorado e cresce muito, então nele a gente cresce uns 60% todo ano organicamente, porque é um mercado que ainda está engatinhando. Abrimos um site para um fabricante de tintas, por exemplo, para as lojas de construção comprarem o produto diretamente.
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É um mercado gigantesco. Em vez de o cara ficar tirando pedido com um distribuidor, um representante comercial, uma vez por mês, ele entra no site, compra o que está precisando para aquela semana, não precisa comprar para um mês inteiro, é muito mais eficiente a cadeia como um todo. A gente tem site para dentista, a gente tem para hospitais, são setores totalmente inexplorados.
IM: A recente tentativa do governo de taxar compras internacionais em sites asiáticos no Brasil afetaria de alguma forma a Infracommerce?
FB: Como a gente está no nicho direct consumer, estamos falando de pessoas que entram diretamente no site da Samsung, por exemplo, para comprar uma televisão. Não tem nenhuma concorrência ali dentro. Essa competição deles [dos sites asiáticos] é muito mais com os marketplaces que têm marcas genéricas, ou tem todos os tipos de marca, um milhão de sortimentos, porque o consumidor está lá por preço mesmo. Nos nossos sites, os consumidores entram mesmo pela experiência de comprar direto da marca ou um produto que ele só vai encontrar ali.
Então, para a gente [a eventual taxação das compras internacionais pelo governo brasileiro] tem um impacto bem pequeno, porque a gente trabalha com marcas renomadas. Eu também não posso trabalhar com o ‘Jeans Fábio’, porque o ‘Jeans Fábio’ não vai ter o site que vai ter fluxo. Para ele, é melhor ir no Mercado Livre e tentar brigar com a palavra jeans lá dentro. Agora, a Calvin Klein consegue ir lá e comprar no Google a palavra Calvin Klein e vai direcionar o fluxo para ela, porque ninguém vai ‘bidar’ [dar um lance, do verbo to bid, em inglês — o sistema de publicidade do AdWords é baseado num leilão de palavras-chave] a Calvin Klein, mas se ela ‘bidar’ jeans, vai perder para a Magalu.
Os nossos clientes estão em setores que são mais protegidos dessa busca genérica de itens, que acaba indo mais para os marketplaces.
Mas para a gente é mais um canal no final do dia, então a gente ‘pluga’ clientes também nesses marketplaces. A gente, por exemplo, já até divulgou no mercado que a gente fechou um acordo com a AliExpress, inclusive para ajudá-los na logística aqui no Brasil e a gente ‘pluga’ marcas lá também.
Quando eles [os sites asiáticos] vêm com esse incentivo de venda [que são os preços baixos], é até bom porque fomenta o e-commerce também, e eles estão cada vez mais querendo montar operação local. Isso é uma coisa que pode ajudar a gente. Hoje eles estão muito focados em sellers chineses vindo para o Brasil.
IM: Vocês são uma empresa de tecnologia. Como vocês têm lidado com a dinâmica de busca por desenvolvedores? Houve uma época em que eles estavam escassos. Melhorou?
FB: Houve um boom de busca por desenvolvedores, mas agora está uma maravilha. O turnover caiu, está mais barato, os próprios profissionais estavam muito exigentes, mas porque foi uma ‘febre’ de todo mundo querer ser tech. Todo mundo que estava fazendo IPO queria montar um departamento de tech, e isso encareceu muito o mercado. Foi um movimento bom de botar a bola no chão de novo, o que favorece a gente porque a gente precisa mesmo [desses profissionais]. A gente viu muitos casos. Por exemplo, um distribuidor de alimentos querendo montar ele próprio a plataforma [de e-commerce] dele, como se ele fosse a Vtech ou a Adobe, contratando 50 caras [desenvolvedores]. Pra quê?
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Vimos muitos desistirem. É muito mais barato você fazer com a gente do que investir numa estrutura própria, fora que tem vários casos aí de empresas que fizeram um projeto em um ano, entregaram resultados mais ou menos, e agora estão com a estrutura parada. Então, esse movimento de ajuste do mercado tem sido bom para a gente. Primeiro porque reduz um pouco a pressão que havia sobre os profissionais, ou a dificuldade de recrutar. Hoje está bem mais tranquilo do que estava há dois anos. E também é bom para o business.