
Do cartão ao uso de WhatsApp, entenda as sanções e lacunas da Magnitsky sobre Moraes
agosto 20, 2025A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), de limitar a aplicação no Brasil de normas estrangeiras, caso da Lei Magnitsky, terá efeito limitado no caso do também ministro Alexandre de Moraes, alvo de sanções dos Estados Unidos, mas pode gerar futuros ruídos entre instituições financeiras brasileiras e o governo americano. A avaliação é de especialistas em sanções e em Direito Internacional consultados pelo GLOBO.
Na prática, as medidas punitivas não inviabilizam que Moraes mantenha acesso a conta bancária e a outros serviços fornecidos por instituições financeiras brasileiras, embora dificultem essas atividades. Segundo os especialistas, a capacidade de os EUA obrigarem essas instituições a seguirem as normas depende de elas terem representação em solo americano.
Por outro lado, caso sejam notificados pelo governo americano, bancos brasileiros que tenham operação nos EUA precisarão decidir se descumprem a ordem de Dino ou se correm o risco de entrar na lista da Magnitsky, que também pune pessoas físicas e jurídicas que forneçam “fundos, bens e serviços” a outros sancionados.
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O que diz a Lei Magnitsky?
A Magnitsky foi criada para atingir pessoas físicas e jurídicas acusadas de infringir direitos humanos ou de atos graves de corrupção. A escolha dos alvos cabe ao presidente dos EUA e órgãos como o Departamento do Tesouro, e o Departamento de Estado. O formato atual da lei foi estabelecido em 2016, na presidência de Barack Obama, e é uma das várias ferramentas de sanções a estrangeiros em vigor nos EUA.
O que acontece quando alguém é sancionado?
A principal sanção é o bloqueio de bens que estejam nos Estados Unidos, o que inclui contas bancárias, investimentos financeiros e imóveis. Em decreto presidencial de 2017, que regulamentou a Magnitsky, o presidente americano Donald Trump também explicitou que qualquer pessoa ou empresa sob a jurisdição dos EUA não pode fornecer serviços ou recursos aos sancionados, o que impede, por exemplo, usar o sistema bancário americano ou fazer transações em dólar.
A lei veta ainda a entrada de pessoas sancionadas nos EUA, e abre a possibilidade de sanções secundárias a quem mantiver relação com sancionados. Em publicação nas redes sociais na segunda-feira, o Escritório de Assuntos do Hemisfério Ocidental, órgão vinculado ao Departamento de Estado dos EUA, disse que Moraes é “tóxico” a quaisquer pessoas que “busquem acesso ao mercado americano”.
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Que tipo de movimentação Moraes está proibido de fazer?
Segundo especialistas, o ministro do STF não pode, em tese, utilizar cartões de crédito de bandeiras como Visa e Mastercard, empresas com sede nos EUA. No entanto, em caso de cartões contratados no Brasil, caberá ao respectivo banco suspender ou não o serviço a Moraes. A sanção também pode impedir o ministro do STF de receber seu salário pelo Banco do Brasil, responsável pela folha de pagamentos da Corte, e que também atua em território americano.
Em nota, o Banco do Brasil disse que acompanha “com atenção” os desdobramentos das sanções a Moraes e que “atua em plena conformidade à legislação brasileira, às normas dos mais de 20 países onde está presente e aos padrões internacionais que regem o sistema financeiro”.
O ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral, hoje consultor de comércio internacional e sócio da Barral Parente Pinheiro Advogados, explica que cabe ao Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC, em inglês), órgão do Tesouro americano, averiguar denúncias contra bancos que supostamente descumprirem as sanções.
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“Mas a questão é se o banco tem operação nos EUA. O Banco do Brasil possivelmente não vai tomar esse risco. No caso da bandeira de cartão, se for chamada a prestar explicações à OFAC, ela vai alegar que os bancos brasileiros é que precisam explicar se prestam esse serviço ao ministro.”
Moraes pode ter conta corrente e fazer Pix?
A avaliação de especialistas é de que bancos de menor porte, que não tenham representação nos EUA, podem abrir conta corrente a Moraes e permitir transações por Pix sem o risco de serem atingidos pela Magnitsky. Transações em dólar envolvendo o ministro, no entanto, ficam vetadas. No comércio internacional, um cenário similar ocorre quando há negociações de mercadorias que tenham passado por países alvos de sanções americanas, como Irã e Venezuela. Bancos com atuação nos EUA costumam evitar essas transações; quando ocorrem, elas tendem a ser feitas em moedas de outros países.
O ministro pode usar WhatsApp ou Netflix?
Como o texto da Magnitsky impõe restrições a empresas americanas, especialistas avaliam que Moraes ficaria impedido, por exemplo, de fazer cadastros em redes sociais como Facebook e Instagram e em aplicativos de mensagens como o WhatsApp — todos fazem parte da Meta, big tech sediada nos EUA. Essas empresas são obrigadas a monitorar e relatar movimentações financeiras, digitais ou contratuais, sob pena de sanções, embora ainda não esteja claro se o ministro teve seu acesso bloqueado.
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“É uma lei que tem aplicação no território dos EUA, mas também mantém esse componente extraterritorias, impedindo seus alvos de ter, uma conta em um streaming como o Netflix — explica o advogado Ricardo Inglez de Sousa, especialista em Direito Comercial Internacional.”
Quais são as punições previstas na lei americana?
O texto da Magnitsky afirma que empresas e pessoas físicas que mantiverem relação com alvos de sanções ficam sujeitas a uma multa de até US$ 250 mil, na esfera cível, e a uma investigação criminal que pode gerar penas de até 20 anos de prisão. Barral afirma que esse tipo de punição costuma atingir cidadãos americanos ou empresas que tenham “atuação, operação ou subsidiárias” nos EUA, e que estão submetidos diretamente à Justiça do país.
Por que a decisão de Dino causou incerteza para os bancos brasileiros?
Na avaliação do advogado Ricardo Inglez de Souza, a decisão de proibir a aplicação automática de medidas estrangeiras no Brasil deixou as instituições financeiras duplamente “expostas”.
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“Se essas instituições descumprirem a lei Magnitsky, correm o risco de sanções que levem à perda todos os seus negócios nos EUA, algo a que muitos bancos não resistiriam. Por outro lado, descumprindo uma decisão do STF, elas podem ser multadas e responderem processos pela Justiça brasileira”, explica.
Segundo Barral, a decisão de Dino vai de encontro a normas previstas na legislação brasileira, como o Código de Defesa do Consumidor e a regulamentação do Banco Central, que obrigam bancos a abrirem contas e prestarem serviços a pessoas que não tenham pendências criminais no Brasil.
No entanto, de acordo com o especialista, como o Brasil não tem um arcabouço legal voltado a proteger atividades nacionais de sanções estrangeiras, há dúvidas sobre a capacidade dos bancos e outras empresas brasileiras de evitar as consequências práticas da Lei Magnitsky.
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O STF costuma barrar a aplicação de normas estrangeiras no Brasil?
A decisão de Dino é considerada inédita, segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO. Eles lembram que o Brasil costuma se abster de sanções nacionais, mas sem confrontá-las diretamente. O país, porém, segue sanções determinadas pelo Conselho de Segurança da ONU. O Brasil aderiu desde 2017, por exemplo, a bloqueios de comércio com a Coreia do Norte.
Em novo despacho na terça-feira, Dino explicitou que sua decisão não suspendia a eficácia de decisões de tribunais internacionais reconhecidos pelo governo brasileiro, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Há outros tipos de sanções americanas não relacionadas à Lei Magnitsky, como a proibição a negócios com empresas de tecnologia chinesas, como a Huawei. Nesses casos, o país tem contornado a pressão americana e mantido a relação comercial, sem a necessidade de decisão judicial.
O bloqueio a Moraes tem prazo de validade?
Não. O texto da lei determina que o término das sanções cabe ao presidente dos EUA, a quem cabe avaliar se a pessoa sancionada “demonstrou uma mudança significativa em seu comportamento” ou se foi “devidamente investigada pelas atividades” que geraram a punição original.