Com teto de gastos preservado e reformas no horizonte, cenário é de retomada
setembro 2, 2020Se alguém ainda questionava a eficácia do teto de gastos como mediador de demandas por recursos orçamentários – um corolário de seu objetivo precípuo, afiançar a solvência da União à sociedade, no atual contexto de elevado endividamento, como discutimos em nossa última coluna –, o mês de agosto se encarregou de dirimir esta dúvida.
Ao longo do mês passado, vimos demandas por toda sorte de programas junto ao pouco espaço disponível no Orçamento de 2021, desde valores muito acima de R$ 300 como benefício do futuro programa Renda Brasil, quanto postulações infindáveis por investimentos.
Não faltaram, ainda, as inevitáveis especulações sobre a iminência de demissão do ministro da Economia.
No final, o caráter disciplinador do teto prevaleceu. A desancoragem e a perspectiva de aprofundamento da recessão, associadas ao rompimento do teto, inviabilizam qualquer alternativa que envolva essa ruptura.
Superados esses desencontros, o foco agora será deslocado para a pauta do Congresso nos próximos três meses.
No Senado, devemos observar a tramitação da PEC 188, que conterá os gatilhos de contenção das despesas obrigatórias que precisariam ser acionados, em 2021, caso o governo opte por um Renda Brasil que seja muito maior do que o espaço reservado ao atual Bolsa Família no Orçamento de 2021 (R$ 35 bilhões).
Ou, alternativamente, que o governo busque realizar gastos em infraestrutura que excedam o limite orçado, somado ao o que possa ser deslocado de outras áreas.
Estimamos que a margem de manobra disponível no PLOA 2021 para acomodar essas duas demandas combinadas esteja entre R$ 10 bilhões e R$ 15 bilhões.
O governo também decidiu pelo envio, nos próximos dias, da PEC da Reforma Administrativa, que iniciará sua tramitação pela Câmara dos Deputados.
Essa é uma decisão muito acertada. Trata-se de uma reforma estrutural, capaz de “rebaixar o piso” dos gastos ao longo do tempo, e, assim, abrir espaço para mais investimentos públicos.
As estimativas iniciais de economia associadas ao projeto quando ele foi concebido, em 2019, chegavam a mais de R$ 500 bilhões em dez anos.
O projeto conta com o aberto apoio do presidente da Câmara, grande incentivador da proposta, juntamente com o ministro da Economia.
No novo contexto político, em que o executivo dispõe de liderança congressual experiente, acreditamos ser perfeitamente possível aprovar a reforma na Câmara ainda em 2020.
O avanço da Reforma Tributária é também possível, mas nos parece que a Reforma Administrativa encontrará muito menor resistência na sua tramitação – afinal, nem mesmo o grupo dos atuais servidores deveria oferecer grande oposição ao projeto, pois ele afetará apenas os novos servidores.
Já a Reforma Tributária precisa contemplar muitos interesses cruzados, entre setores da economia e entes federativos. De qualquer forma, a conclusão desta reforma para 2021 segue permanecendo provável.
É importante também registrar os avanços na agenda microeconômica, como a aprovação do novo marco do saneamento, a nova lei do gás, já aprovada na Câmara dos Deputados, e a expectativa de avanço na tramitação da nova lei de falências.
O governo tem diante de si uma perspectiva favorável à frente. Após o tombo de quase 10% no PIB do segundo trimestre, a atividade econômica se recupera nitidamente. Projetamos queda de 5,5% no PIB de 2020 e crescimento de 3% em 2021.
Com o teto de gastos preservado, os juros poderão permanecer baixos em 2021 e, juntamente com as reformas microeconômicas, favorecer a retomada do investimento à frente.
Simultaneamente, um programa de renda mínima mais amplo do que o atual Bolsa Família poderá funcionar e proteger um maior número de famílias vulneráveis.
Tudo isso pode ser alcançado sem ceder à fácil tentação das heterodoxias ou puxadinhos, que têm suas consequências já amplamente discutidas e conhecidas.
O economista Paulo Guedes, desde muito antes de ser ministro do atual governo, defendia que o caminho da prosperidade para o Brasil passava necessariamente pela imposição de limites ou redução dos três grandes blocos de gastos públicos no Brasil: Previdência, juros da dívida pública e pessoal.
Os dois primeiros já foram equacionados – o primeiro pela reforma da Previdência, realizada pelo atual governo, e o segundo pela queda dos juros, viabilizada pela introdução do teto de gastos e a correta atuação do Banco Central a partir de 2016, e potencializada pelos choques adversos de 2015-16 e 2020.
Com o envio e provável aprovação da reforma administrativa, o presente governo tem a perspectiva concreta de tornar-se o mais reformista desde a redemocratização, e contribuir de forma importante para pavimentar à frente o caminho do crescimento.