Com Selic em 2% ao ano, banco ganha 56 vezes mais nos empréstimos do que você ganha ao investir
agosto 5, 2020SÃO PAULO – Mesmo com a redução da taxa Selic de 2,25% para 2% ao ano, conforme anunciou o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central nesta quarta-feira (5), o impacto no bolso do brasileiro deve ser irrisório. As taxas de crédito pessoal continuam muito altas: devem cair 93,35% ao ano para 92,91% ao ano em média, segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
O InfoMoney fez uma simulação que mostra a diferença entre o que a pessoa física ganha ao investir e quanto ela paga ao fazer um empréstimo com o banco neste cenário de Selic no menor patamar histórico.
Imagine que um investidor aplique R$ 10 mil durante um ano no Tesouro Selic, título público que acompanha a variação da taxa básica. Ao fim desse período ele ganharia R$165 de rendimento líquido (já descontado o Imposto de Renda). Por outro lado, se essa mesma pessoa tomasse um empréstimo pessoal de mesmo valor, no mesmo prazo, pagaria R$ 9.291,11 ao banco.
Ou seja, o banco ganha cerca de 56 vezes mais que o investidor com a Selic 2% ao ano.
Veja as simulações para empréstimos e investimentos de R$ 10 mil e R$ 5 mil:
Por que os empréstimos seguem caros?
A diferença entre o que o investidor ganha ao investir e o custo que tem com o empréstimo é muito significativa e o corte da Selic nesta quarta-feira não deve mudar muito essa situação.
A Anefac realiza mensalmente um levantamento com os principais bancos e financeiras do país para checar as taxas médias praticadas nos empréstimos e verificar a intenção de redução dos juros em caso de queda da Selic. A partir da pesquisa realizada neste mês, o corte da Selic para 2% pode gerar as reduções detalhadas na tabela abaixo, mas como é possível observar são quedas irrisórias.
Veja a comparação:
Para compreender o recuo ínfimo nas taxas dos empréstimos, mesmo após quedas sucessivas da Selic, é importante ressaltar que a taxa de empréstimo cobrada do consumidor final não é composta apenas pela taxa básica de juros. Há outros custos envolvidos, como os juros que o banco paga ao captar dinheiro no mercado, os gastos operacionais e custos com inadimplência.
A diferença entre o custo que o banco tem ao pegar dinheiro com investidores de um lado e emprestar dinheiro aos tomadores do outro é o chamado spread. E do spread ainda são tirados os custos mencionados acima. Só aí é que se chega na margem financeira – o famoso lucro. Uma reportagem do InfoMoney detalha como são formadas as taxas empréstimo.
Os R$ 9.291,11 que o banco ganharia na simulação apresentada no início da reportagem, portanto, não representam seu lucro líquido, mas sim o faturamento bruto com a operação.
Isso considerado, há outros fatores que contribuem para que as taxas de juros das principais linhas de crédito se mantenham altas, mesmo diante dos últimos ciclos de redução da Selic. Entre eles, um dos principais é a crise econômica, que mantém o grau de incerteza elevado e aumenta o risco de crédito.
“A inadimplência está alta diante do aumento do desemprego e fechamento de empresas. Os bancos vão tomar o máximo de cuidado para emprestar dinheiro a fim de evitar clientes que não honrem os compromissos. A incerteza da economia é precificada com a taxa de juro, ou seja, os bancos não vão baixar ainda mais suas taxas em meio aos riscos de não receberem os valores”, explica Jackson Bittencourt, professor de economia da PUC-PR.
A elevação da inadimplência – ou em outras palavras dos calotes – aumenta os custos dos bancos e, consequentemente, encarece o crédito.
Outro explicação para as taxas de empréstimos se manterem em níveis altos é a concentração bancária. “Temos cinco grandes bancos que funcionam como um oligopólio. A chegada das fintechs trouxe certa oxigenação para o mercado, mas ainda não foi suficiente. Falta um mercado mais competitivo, que estimule taxas menores”, explica Juliana Inhasz, professora de economia do Insper.
Ela acrescenta ainda outro fator: a Selic já não tem mais tanto espaço para queda. “Cair 0,25 ponto percentual é muito pouco frente à sequência de reduções que passamos nos últimos meses. O corte anunciado representa uma queda mensal de apenas de 0,02 ponto percentual. A margem de redução para o consumidor final vai diminuindo, ainda mais em um ano de crise”, explica.
Ainda que países desenvolvidos, como os Estados Unidos, estejam com taxas de juros próximas a zero, o Brasil é um país emergente e considerado mais arriscado aos olhos de investidores estrangeiros. Portanto, com juros menores, o país perde atratividade. Em coluna anteriormente publicada no InfoMoney, Alexandre Schwartzman, discutiu a fundo o limite de queda da Selic.
Mas, mesmo que a redução na Selic possa gerar um movimento de saída de dólares do país, pressionando o câmbio, Bittencourt ressalta que a redução da taxa tem um efeito muito positivo sobre as contas públicas. “A Selic remunera os títulos da dívida pública, que está aumentando com o pagamento do auxílio emergencial e outras medidas de enfrentamento da crise. Ao baixar a Selic, o governo paga menos juros, suavizando os impactos nas contas públicas”, explica.
Veja como a nova era de juros baixos cria oportunidades únicas para a economia.