China superpotência: a estratégia e os desafios

China superpotência: a estratégia e os desafios

dezembro 2, 2020 Off Por Today Newsroom

Estátua de Mao e bandeira da China (Foto: Getty Images)

Parece contraditório, mas ao mesmo tempo que a China abre seu mercado de capitais para o mundo, os chineses sofrem com um mundo cada mais receoso de suas ações. Nesse contexto, a China busca fortalecer o seu mercado interno e, simultaneamente, internacionalizar sua moeda através de reformas significativas.

Neste artigo, tentarei trazer ao leitor uma visão ampla sobre a China. Começarei com as reformas do mercado de capital, então comentarei sobre o novo plano quinquenal de 2021, e a política de dupla circulação como resposta ao “China Plus One”.

Também abordarei os tópicos da nova moeda digital do banco central chinês, as diferenças entre o mercado de capital da China continental e de Hong Kong e o que esperar da relação entre os EUA e a China durante o governo Biden.

As principais reformas

Dentre as principais mudanças, pode-se citar a remoção das restrições de investimentos estrangeiros em setores como telecomunicações, petróleo, transporte marítimo e, inclusive, financeiro.

Além disso, desde o início de novembro, a China combinou os dois principais programas (QFII e RQFII) que permitem investidores institucionais investirem no país, relaxando alguns requerimentos para elegibilidade e diminuindo a burocracia. Ademais, desde 2019, a China aboliu por completo o teto de investimento no mercado local pelo programa, que até 2018, era de apenas US$ 150 bilhões.

A partir de novembro, investidores estrangeiros também podem alocar capital para produtos até então restritos – como o mercado privado, contratos futuros, opções, repo markets e produtos de balcão, além de terem a permissão de engajar em short trading e fazer uso de alavancagem.

Tais reformas, somadas à nova Lei de Investimento Estrangeiro, à autorização para bancos internacionais abrirem subsidiárias locais, e à criação, em 2019, de outras seis novas zonas de livre comércio representam algumas das principais mudanças de posicionamento da China em relação ao seu mercado de capital.

As reformas, inclusive, levaram à inclusão da China no Índice de Títulos de Governos Mundial (WGBI), que trará cerca de US$ 140 bilhões em investimentos passivos para títulos do país.

China continental: um mercado inexplorado

As reformas citadas trazem enormes possibilidades não apenas para a China, mas também para o investidor estrangeiro. Num mundo de taxas de juros perto de 0%, a China é um dos únicos grandes mercados que ainda oferecem retornos atrativos. Enquanto o título da dívida de 10 anos dos EUA e da Alemanha rendem 0.8% e 0.58%, respectivamente, o chinês rende 4%.

Além disso, o mercado acionário da China continental ainda é inexplorado e relativamente ineficiente.

Enquanto 65% do volume transacionado na bolsa de valores de Hong Kong vem de investidores institucionais, nas bolsas de Shanghai e Shenzhen, na China continental, mais de 85% do volume negociado é feito em “pessoa física”, com apenas 2% do total sendo estrangeiros, o que demonstra um potencial de expansão exorbitante.

O novo mercado para empresas early stage de tecnologia, o STAR, também foi lançado em Shanghai e, menos de um ano após sua inauguração, mais de US$ 20 bilhões foram listados no mercado, que já está entre os três maiores do mundo em número de listagens em 2020, passando inclusive Hong Kong.

O fator mais relevante é que o STAR ainda não é acessível pelo Stock Connect, isto é, investidores estrangeiros em Hong Kong não terão acesso ao STAR através do Stock Connect e, como resultado, precisaram aplicar para o QFII/RQFII para acessar o mercado.

Internacionacionalização do Renminbi (RMB) como nova reserve currency

O fluxo de capital novo para a China está de acordo com seu objetivo de fazer do yuan uma reserve currency através da expansão dos títulos denominados em RMB para o mundo. Além disso, esse influxo irá estabilizar os fluxos de capital chinês e ajudar a capitalizar e desenvolver o mercado interno.

As ambições chinesas neste âmbito são enormes. O país possui um dos programas de moeda digital mais avançados do mundo, com um projeto piloto já ativo em quatro cidades, objetivando realizar um lançamento parcial nas Olimpíadas de Inverno de 2022.

O projeto de se tornar a nova moeda transacional em internacional não é, entretanto, uma surpresa.

A China já é líder mundial em tecnologias de processamento de pagamentos, e o país está extremamente dedicado em tomar as rédeas do mercado de fintechs – o adiamento do maior IPO da história por autoridades chinesas da Ant Financial em novembro é um grande exemplo.

Como afirmado pelo historiador Niall Ferguson, caso a China tenha sucesso em criar um novo modelo mais eficiente, o dólar será a moeda dominante de um sistema anacrônico, baseado em SWIFT e outros processos e tecnologias arcaicos do final do século 20.

O risco da estratégia chinesa:

Embora exista uma flexibilidade maior em alocar para a China, ainda existem preocupações relacionadas ao quão fácil será repatriar esse capital, principalmente se o objetivo chinês for fazer do RMB uma moeda de reserva.

Durante o período entre 2015 e 2016, em que a China gastou mais de US$ 1 trilhão de suas reservas para combater a fuga de capital, o país impôs extremas restrições ao mercado. Vale ressaltar que naquele período, os investidores estrangeiros representavam 1.5% apenas nos mercados acionários na China continental.

Num cenário em que o volume de capital estrangeiro aplicado no país seja ainda maior, uma fuga em massa pode não apenas ter um impacto significativo no mercado de capitais, como também prejudicar os planos chineses de fazer de sua moeda um “bem de valor seguro e estável”.

“Situação Internacional Complicada”: guerra comercial/tech e a política de dupla circulação

A abertura de capital se dá em um contexto extremamente difícil para a China. Pela pela primeira vez na história dos planos quinquenais, o país se referiu à situação internacional como “complicada”.

O que teve início como uma guerra comercial, evoluiu para a área tecnológica, que, influenciada pelo Covid-19, levou à criação da política “China Plus One” – uma tendência global de diversificar a cadeia de produção mundial para além da China.

Desde a grande recessão de 2008, seguida da crise da dívida europeia e do crash das commodities, a China já sabia que não poderia mais depender de exportações e do mercado externo para manter seu crescimento. Seria necessário dinamizar o mercado doméstico e capitalizar sua enorme população, a fim de se tornar seu próprio motor de crescimento.

A tese pré-2008, de uma China exportadora focada em superávit comercial e com uma moeda desvalorizada, deu lugar a políticas internas como o Made in China 2025, lançado em 2015, e o plano quinquenal do mesmo ano.

Como resultado do estímulo ao consumo doméstico, as importações chinesas aumentaram, e seu superávit comercial diminui. O superávit do país, que representava 8,6% do PIB em 2008, caiu para 3,2% em 2015, e para 1% em 2019.

Esse fato, somado à desaceleração de crescimento e ao início das disputas comerciais com os EUA, colocou pressões nos fluxos de capital da China – o que também ajuda a entender a abertura recente do mercado de capitais.

Desde maio, Xi Jinping, presidente da China, usa o termo “dupla circulação” para referir-se aos esforços nacionais de desenvolver o mercado doméstico sem deixar de ser uma potência exportadora. Essa política é parte integral do novo plano quinquenal, que se iniciará em 2021.
Enquanto a cadeia de suprimento global tenta se diversificar da China, deve-se entender que esse não é um processo rápido, pois, como dito por Niall Ferguson, “não existe uma outra China por aí”.

Alternativas, como o Vietnã, estão próximas de sua capacidade produtiva e já sofrem com inflação salarial, enquanto países como a Índia ainda não possuem oferta nem para o mercado interno.

A diversificação manufatureira para fora da China ocorre de forma lenta, a uma taxa de 2% ao ano; mas tensões geopolíticas podem acelerar essa transição significativamente.

Mundo bipolar: as relações China vs EUA

Embora muitos esperem que a administração Biden seja menos agressiva diante à China, isso não será necessariamente verdade.

As disputas entre os EUA e a China dos últimos anos não foram exclusividade de Trump: os interesses de ambos países divergem em diversos pontos, sendo, os dois principais Taiwan e o mercado de semicondutores.

Os EUA produzem quase metade dos semicondutores do mundo; sua aliada, a Coreia do Sul, produz um quarto; enquanto a China produz apenas 5% do total. Ao passo que a China tenta desenvolver o seu mercado interno e avançar tecnologicamente, o país ainda é extremamente dependente das importações de semicondutores. Mas devido a restrições impostas pelos EUA ao acesso chinês ao mercado, a China precisa de alternativas.

Como uma direta afronta aos EUA, em outubro, a China aprovou uma nova lei, que autoriza o país a tomar ações contra países que abusem das medidas de controle de exportações.

Ao mesmo tempo a China busca consolidar a integridade nacional. Recentemente, a China reafirmou sua soberania sobre Hong Kong e o próximo objetivo é Taiwan, considerada uma província rebelde parte do território chinês.

O mais interessante é que Taiwan possui um dos polos de produção de semicondutores mais avançados do mundo. Na verdade, apenas a produção da ilha de Taiwan e maior que toda a produção da China. Alguns membros mais hawkish do partido comunista da China veem em Taiwan uma alternativa para o problema de semicondutores.

A China e o mundo estão passando por um momento extremamente interessante, caracterizado por reajustes de relações. A China já não se impressiona com os EUA, mas o Ocidente percebeu que a China pode impressionar.

Embora possa parecer contraditório, a China abre seu mercado de capital para um mundo cada vez mais receoso de suas ações.

Os EUA inclusive ofereceram financiar a infraestrutura 5G brasileira para garantir que a tecnologia Chinesa não entre no país. Apenas no mês de novembro, a Índia baniu 43 aplicativos chineses do país; os EUA, Índia, Japão e Austrália realizaram um exercício militar conjunto no sudeste asiático e os EUA emitiram uma ordem executiva proibindo investidores americanos de alocar capital para empresas que podem ter relações com o exército chinês.

As tensões não são temporárias, e a dinâmica dessa nova guerra fria será cada vez mais relevante.

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