Busca por consignado sobe na pandemia; veja como fica o empréstimo em caso de demissão
junho 6, 2020SÃO PAULO – Com a paralisação de vários setores da economia para conter o avanço do novo coronavírus, mais de 9 milhões de pessoas fizeram acordos baseados no programa de redução temporária de salários e de suspensão de contratos de trabalho.
O impacto direto na remuneração levou trabalhadores a buscarem linhas de crédito para manter a renda durante a pandemia. Um levantamento feito pelo Grupo H, fintech de crédito para funcionários de empresas privadas, revela que as solicitações de empréstimos consignados cresceram 7% entre fevereiro e abril deste ano, na comparação com o trimestre anterior. O consignado é o tipo de empréstimo que desconta as prestações diretamente da folha de pagamento do devedor.
“Fomos entender os motivos desse crescimento e percebemos que o maior deles foi a redução das jornadas de trabalho. Muitos dos funcionários contam com 100% do seu salário para conseguir pagar as contas e, em virtude das reduções salariais, muitos recorreram ao crédito consignado”, explica Fernando Ferraz, CEO do Grupo H.
A companhia, que também oferece consultoria na área de educação financeira, analisou mais de 18 mil propostas no período e concluiu que os números refletem um movimento de recomposição de renda e indicam que o controle sobre as finanças deve ser ainda mais bem definido.
“O crédito deve ser um aliado e não mais um problema no futuro. Agora, é importante que todos os gastos e investimentos sejam observados ainda mais de perto para que se possa identificar potenciais melhoras”, pontua o executivo.
O levantamento realizado pelo Grupo H ainda mostra que, diante do cenário de instabilidade econômica, 25% dos trabalhadores com contrato de consignado ativo foram demitidos desde o início da pandemia.
Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), as demissões no país já atingiram cerca de 13% das famílias brasileiras. O setor de serviços foi o que mais demitiu no período, com 45,8% das empresas reduzindo sua força de trabalho.
O que acontece em caso de demissão?
Quando um trabalhador é demitido e tem um crédito consignado ativo, o pagamento da dívida pode ser descontado de até 30% das verbas rescisórias líquidas, como aviso-prévio, saldo de salário, férias vencidas e saldo do FGTS. Tal medida só é adotada se estiver descrita no contrato firmado entre o empregador e a instituição financeira que oferece o empréstimo.
Em contratos firmados a partir de 2016, a lei também estabelece que até 10% do saldo do FGTS e até 100% da multa rescisória podem ser utilizados para abater as parcelas do empréstimo, somente em caso de demissão sem justa causa.
Se as verbas ainda não derem conta da quitação total do saldo devedor, o empréstimo é realocado de acordo com as diretrizes negociadas entre o cliente e a financeira em relação ao prazo e à taxa cobrada após os descontos da rescisão. E a cobrança, que acontecia em desconto na folha, será feita através de boleto de pagamento ou na conta do devedor.
Endividamento
Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre decisões anteriores, fatores macroeconômicos como o aumento da inflação e a variação do dólar não podem justificar pedidos de revisão ou quebra do contrato de empréstimo. Mas dois projetos de leis visam reforçar essa linha de interpretação e tentam criar melhores condições jurídicas para o fenômeno do superendividamento durante a pandemia.
Um deles é o Projeto de Lei 1179/20, que prevê a criação de um sistema jurídico especial para o período, com regras transitórias que poderiam ser aplicadas tanto a contratos de empréstimo, quanto a outras relações de consumo. O PL passou pelo Congresso, foi encaminhado ao presidente Jair Bolsonaro, e depende da sanção presidencial para ser aprovado.
“Algumas dessas regras dizem respeito à suspensão de débitos ou revisão contratual, por exemplo. O brasileiro está aguardando uma decisão presidencial, mais uma vez, para saber qual remédio jurídico será aplicado nessas situações”, explica Antônio Carlos Efing, doutor em Direito das Relações Sociais e professor da PUC-PR.
Já o PL 3515/15, que trata do superendividamento do consumidor, ainda está em fase de discussão no Congresso. Ele prevê que o endividado apresente aos credores um plano de pagamento das dívidas, com valores que não comprometam o mínimo existencial – ou seja, que não impeçam que o devedor leve uma vida digna. Caso não haja acordo entre as partes, o processo é judicializado.
O PL também contempla a criação de medidas para promover a educação financeira dos devedores e mecanismos de prevenção ao superendividamento, como a criação de núcleos de conciliação e mediação de conflitos. E estabelece ainda a proibição de propagandas sobre crédito no Brasil, diante das privações, abalos morais e psicológicos que o fenômeno do superendividamento pode causar.
Efing, que foi um dos responsáveis por elaborar as discussões que deram origem ao PL 3515/15, reforça que a legislação foi elaborada para fazer com que o superendividado tenha um tratamento jurídico que não fira a dignidade humana.
“Se os dois projetos forem aprovados vamos solucionar muitas situações. Hoje em dia, quando uma pessoa endividada procura um credor para negociar, ele não está preocupado se o pagamento vai colocar em risco a sobrevivência do devedor ou não. Eles até oferecem descontos, mas apesar de atraentes, ainda não são o suficiente”, diz o professor da PUC-PR.
Aprendizado
O cenário complexo, no entanto, traz alguns ensinamentos, segundo Fernando Ferraz, do Grupo H. Ele diz que a pandemia despertou nas empresas uma preocupação maior sobre a educação financeira dos funcionários.
“A situação serviu para mostrar aos empresários e RHs que não basta contratar uma financeira e simplesmente oferecer uma taxa baixa para os funcionários. Isso acaba enganando e endividando essas pessoas. É preciso realizar um trabalho de educação financeira e não abrir uma torneira de crédito e sair concedendo dinheiro para todo mundo”, diz.