A Teoria do Caos aplicada à eleição norte-americana

A Teoria do Caos aplicada à eleição norte-americana

novembro 5, 2020 Off Por Today Newsroom

(Carl Court/Getty Images)

“Algo tão pequeno quanto o voo de uma borboleta pode causar um tufão do outro lado do mundo.”

Você pode ter ouvido essa frase no início do filme “Efeito Borboleta”, estrelado por Ashton Kutcher.

Na verdade, esse conceito está relacionado com a Teoria do Caos, um campo de estudo da matemática, com aplicações em física, engenharia e economia, que estuda as mudanças nos resultados de longo prazo sobre determinado evento, dadas pequenas alterações em suas condições iniciais.

De acordo com essa teoria, os resultados de longo prazo de um evento são determinados por suas condições iniciais. Porém, cada pequena alteração, até mesmo o mínimo arredondamento de um número com diversas casas decimais, pode mudar de maneira significativa o resultado de um experimento científico, por exemplo.

Quer outro exemplo, digamos, mais prático?

No filme, Evan Treborn, interpretado por Kutcher, descobre que herdou a capacidade de voltar no tempo e alterar passagens breves de seu passado. Porém, ele constata que as mínimas alterações realizadas para tentar corrigir alguma parte da sua vida e de seus amigos, que duraram apenas alguns segundos no passado, geram um efeito gigante no presente de todos os envolvidos.

Assim, a mensagem que o filme passa é a de que qualquer ínfima mudança de um acontecimento na linha do tempo pode levar a consequências imprevisíveis e, em alguns casos, até catastróficas.

E isso me fez pensar que o momento pelo qual os Estados Unidos estão passando nesta semana tem um enorme potencial de ter efeito não só no futuro da economia norte-americana, mas do mercado brasileiro e mundial como um todo.

Como isso pode acontecer?

A eleição presidencial norte-americana decidirá quem comandará a maior economia do mundo nos próximos anos: de um lado, o democrata Joe Biden; do outro, o republicano Donald Trump, que concorre à reeleição.

Também é sabido que, depois da China, os Estados Unidos são o país que mais compra produtos brasileiros, bem como são o segundo maior país em termos de vendas de produtos para o nosso país – os chineses também ocupam o topo dessa lista.

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Sendo assim, qualquer mudança nas perspectivas de atividade por lá deve se refletir em uma alteração na demanda por produtos brasileiros – logo, ela tem o potencial de afetar a nossa economia de forma significativa.

Em termos de crescimento econômico dos Estados Unidos, não sabemos qual dos candidatos se sairia melhor nessa missão, mas podemos desde já analisar os impactos que certos movimentos podem ter nos ativos brasileiros.

Um exemplo disso é uma possível vitória de Biden, que indicaria um aumento nos gastos públicos do país. Mas para onde esses gastos devem ser direcionados?

Os principais pontos são: i) expansão do programa de saúde pública, mais conhecido como “Obamacare”; ii) aumento do valor do salário mínimo e dos investimentos em energia verde; iii) garantia de pré-escola universal e expansão da educação universitária gratuita; e iv) auxílio federal para que, de alguma forma, crianças que se encontram ilegalmente no território norte-americano possam estudar.

Somente as duas primeiras medidas apresentam gastos estimados em mais de US$ 4 trilhões nos próximos dez anos, enquanto as outras ainda carecem de uma perspectiva. Mas tudo isso dificilmente estará no radar de Trump caso vença a eleição.

O fato é que uma forte injeção de dólares na economia tende a fazer com que a moeda enfraqueça, assim como o preço de qualquer outro bem. Afinal, o aumento da oferta de um produto sem um aumento proporcional na demanda leva a uma queda em seu preço. Por isso, economistas estimam que o valor do dólar, de maneira geral, deve se enfraquecer nos próximos meses caso Biden leve a melhor.

Essa possível queda no preço da moeda americana pode dar mais tranquilidade em relação às perspectivas de inflação e juros no Brasil nos próximos meses, pontos que preocupam os investidores no momento. Mas existe outro ponto relacionado a isso: uma possível reversão de corte de impostos para as empresas norte-americanas.

Em 2018, Trump realizou o corte de impostos mais amplo da economia norte-americana dos últimos 30 anos, reduzindo a alíquota sobre os lucros das empresas de 35% para 21%. A medida objetivava dar uma injeção de ânimo na economia do país, com a criação de empregos e o aumento dos investimentos.

A medida deu resultado. A atividade econômica vinha apresentando crescimento destacado frente a outros países desenvolvidos, principalmente os europeus, e acabou fazendo com que os Estados Unidos atingissem o patamar mais baixo no nível de desemprego dos últimos 50 anos.
Biden, entretanto, já indicou que pretende reverter esse benefício tributário adquirido pelas empresas recentemente.

Mas a questão é que uma reversão em relação aos impostos pode fazer com que parte das empresas que divulgaram grandes projetos de investimentos e contratação e capacitação de novas pessoas precise alterar ou mesmo cancelar seus planos. Isso diminuiria, em partes, o potencial de crescimento do lucro das empresas e, consequentemente, da atividade no país.

A preocupação com esse possível cenário pode levar a Bolsa americana a apresentar certa instabilidade conforme o assunto seja amplamente discutido,
após uma possível posse de Biden em 2021. No longo prazo, essa instabilidade deve ser sentida por outros mercados também, inclusive no Brasil.

Porém, no curto prazo, existe algo que provavelmente vai trazer um grande impacto para o mercado dos Estados Unidos e, consequentemente, para os mercados globais, seja quem for o vencedor: o fim do período da eleição em si.

Penso que a conclusão do pleito deve finalmente desencadear o destravamento das negociações do pacote fiscal no Congresso norte-americano. Isso porque o novo pacote de estímulo à economia americana está travado no Congresso há alguns meses. E o motivo disso é a falta de consenso entre democratas e republicanos quanto ao valor desse incentivo.

A diferença entre o valor requerido pelos dois partidos é de cerca de US$ 200 bilhões. Os democratas exigem um valor pouco mais alto do que o pretendido pelos republicanos, pois os últimos estão mais preocupados com a capacidade de pagamento dessa “fatura” em um segundo momento. Porém, o valor parece irrelevante frente aos mais de US$ 3 trilhões distribuídos no primeiro pacote e ao que está em votação, que gira em torno de US$ 2 trilhões.

E, claro, esse imbróglio tem uma única causa: a eleição em si.

Dificilmente, os partidos devem chegar a um consenso sobre qualquer assunto em meio a um dos pleitos mais agressivos das últimas décadas. Portanto, acredito que a conclusão da corrida eleitoral (não importa quem vença) finalmente faça com que os congressistas voltem suas atenções para a discussão e a economia possa receber esses trilhões para que não perca o seu ritmo de retomada.

Com isso, podemos esperar um fim de ano mais animado para os mercados globais em geral, que enxergam com bons olhos o incentivo fiscal na maior economia do mundo.

O fato é que, em relação à eleição nos Estados Unidos, há mais coisas em jogo para o Brasil do que se possa imaginar. Tanto que é quase inevitável pensar na teoria do caos: o simples movimento de uma única borboleta pode causar um tufão do outro lado do mundo.
Então, já fico na expectativa de saber qual será o movimento de asas que deve provocar uma verdadeira mudança dos rumos dos ativos brasileiros.

Por esses motivos, acredito ser fundamental que você fique atento aos próximos capítulos dessa novela que está se desenrolando na terra do Tio Sam. Pois não importa quem sairá vencedor: de alguma forma, vamos sentir os ventos por aqui, e o primeiro deve ser causado pela injeção de trilhões de dólares na economia americana nos próximos meses.

Abraços,

Guilherme Cadonhotto

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