A inflação dos alimentos é transitória e o governo não precisa intervir

A inflação dos alimentos é transitória e o governo não precisa intervir

setembro 10, 2020 Off Por Today Newsroom

raw rice with raw beans

As últimas semanas foram marcadas pela ampliação do debate público em torno da inflação dos alimentos.

O IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), considerado a inflação oficial do país, subiu 0,24% em agosto. No acumulado de 12 meses, aumentou 2,44%, enquanto a inflação dos alimentos subiu 8,83% no período.

Em agosto, segundo o IBGE, o índice foi puxado pelo tomate (12,98%), o leite longa vida (4,84%), as frutas (3,37%), as carnes (3,33%), o óleo de soja (9,48%) e o arroz (3,08%).

Há, é claro, o outro lado da moeda. Houve quedas de preços em itens como cebola (-17,18%), alho (-14,16%), batata-inglesa (-12,40%) e feijão-carioca (-5,85%), além da refeição fora de casa (-0,11%).

Mas, em meio a tudo isso, o arroz é o novo símbolo dos preços altos. O Indicador do arroz ESALQ/SENAR-RS fechou nesta quarta (9) em R$ 102,20 a saca de 50 kg, novo recorde real na série histórica do Cepea.

Em setembro de 2019, a mesma saca era comercializada pelos produtores rurais por R$ 45,40. Uma valorização de 125% em 12 meses.

O dólar valorizou 40% nos últimos seis meses e isso também influenciou o aumento dos preços, já que o dólar mais caro estimula as exportações.

Segundo análise feita pela Cogo – Inteligência em Agronegócio, o volume mensal de arroz embarcado (exportado) aumentou quase 100%, se compararmos agosto/2019 com agosto/2020.

De forma mais ampla, as exportações do agronegócio registraram US$ 10,0 bilhões em julho de 2020, segundo os dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O valor exportado em produtos do setor respondeu por 51,2% do total exportado pelo Brasil.

A China é um capítulo especial para o agronegócio brasileiro. No ano 2000, a China representava apenas 2,7% das exportações do agro brasileiro. Em julho de 2019, correspondia a 32%. Em julho deste ano, 38,4%.

De acordo com boletim da balança comercial do agronegócio produzido pela Fiesp, em julho de 2020, o Brasil exportou US$ 593,6 milhões em carnes para a China, o equivalente a 39,5% do valor total exportado para o mundo.

A carne bovina brasileira representa mais de 20% do consumo interno da China. A soja importada do Brasil representa a metade da demanda chinesa.

Outros motivos também ajudam a explicar a alta dos preços dos alimentos: demanda aquecida no mercado interno, redução da área plantada no Brasil (em algumas culturas, como o arroz), preços altos (mesmo em dólar) no mercado internacional e aumento do consumo em vários países do mundo.

A boa notícia é que o aumento dos preços dos alimentos é transitório. Afeta muitos brasileiros, é verdade, sobretudo os mais pobres, que utilizam a maior parte da sua renda em alimentos.

Mas o aumento é conjuntural e específico nos alimentos. A inflação não é estrutural e generalizada na economia. Os fundamentos econômicos do Ministério da Economia estão mantidos desde o governo Temer. Pelo menos até o momento.

Com o aumento da produção e o dólar mais baixo, os preços voltam ao normal. Não será pelo agronegócio que haverá descontrole inflacionário no Brasil.

O risco de aumento estrutural da inflação depende quase que exclusivamente das decisões de política econômica do governo federal, como manter o teto dos gastos públicos.

O roteiro de controle inflacionário é claro. Segundo ex-secretária do Tesouro Nacional do e atual economista chefe do Santander, “a deterioração aguda das contas públicas é o único risco relevante para o controle da inflação.”

Caso o país venha a perder sua âncora fiscal, situação que não é o cenário base do Santander, o câmbio avançaria ainda mais e a piora do risco país levaria à saída de investimentos do Brasil.

Também não faz o menor sentido uma intervenção do governo federal na política de preços. Enviar fiscais do Ministério da Justiça para notificar donos de supermercado lembra mais a época dos “fiscais do Sarney” do que o liberalismo defendido pelo ministro Paulo Guedes, sobretudo na campanha eleitoral.

Nesta semana, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) decidiu zerar a tarifa de importação do arroz. O governo estabeleceu uma cota de 400 mil toneladas do produto até o fim do ano que pode entrar no país sem a taxa. Isso é razoável, pois é uma medida também transitória e limitada.

O dever de casa na inflação dos alimentos é muito mais do governo federal do que dos produtores rurais e donos de supermercado. É uma combinação de controle das contas públicas (principalmente) e não de interferência do governo federal no mercado de produtos alimentícios – e, consequentemente, no agronegócio.

Os preços voltarão ao normal. Não adianta apelar ao populismo ou ao “patriotismo”. O que ajuda, e muito, são contas públicas numa rampa de melhora contínua.

Para isso, segundo Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo e presidente da IBA – Indústria Brasileira das Árvores, “é urgente a aprovação de reformas estruturantes para ancorar o endividamento e aumentar a produtividade da nossa economia”.

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