Por que sou pessimista com a Bolsa brasileira no curto prazo

Por que sou pessimista com a Bolsa brasileira no curto prazo

agosto 11, 2020 Off Por Today Newsroom

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(Getty Images)

Era uma vez um investidor em ações no Brasil que foi dormir no final de fevereiro e acordou cinco meses depois, no final de julho.

Ele soltou um suspiro de alívio e disse: “Que sorte! Não perdi nada. O Ibovespa está nos mesmos níveis daquele momento em torno de 104 mil pontos.”

Mas ele olhava ao redor e via que algo não parecia certo. Eram pouquíssimas as pessoas à sua volta, todas usando uma estranha máscara e sempre com semblante preocupado. Decidiu buscar mais informações.

O que aconteceu com a Bolsa, com as empresas, com os juros e mercados no exterior nesse tempo? A primeira reação foi de surpresa. A segunda foi uma vontade de voltar a dormir.

Afinal, entramos em uma crise sem precedentes. A Bolsa cedeu rapidamente 40% e, desde então, recuperou tudo o que cedeu.

Nesse mesmo tempo, o câmbio chegou a 6,00 reais/dólar e ainda negocia em, antes inimagináveis, 5,40/dólar.

Vejam, os juros neste período cederam para 2,00%. E não somente a taxa básica. Também no final de fevereiro, o DI Futuro para janeiro de 2022 (a projeção da taxa média daqui até o final de 2021) negociava a 4,59%.

No momento mais agudo da crise para os ativos financeiros, na segunda metade de março, chegou a negociar acima de 6,00%.

Em outras crises no passado, essa seria a história toda – crise mundial leva à saída de divisas ou, ao menos, à forte desvalorização da moeda. Reagindo ao cenário, o Banco Central eleva os juros de curto prazo e os agentes de mercado precificam prêmios mais altos também para os juros futuros.

Mas a reação, nesta crise, foi diferente: a recuperação dos ativos financeiros também veio com o juro de curto prazo e as projeções futuras. Até o final de 2021, agora esperamos juro médio de 2,65%.

Só que o PIB brasileiro deve cair quase 6% no ano. Ou seja, a atividade claramente demora a voltar, e o desemprego segue em níveis elevados aqui e nos EUA, em uma situação que economistas tratam mais como uma depressão econômica do que como uma recessão.

Se eu fosse aquele investidor, perguntaria como pode o Ibovespa negociar nos mesmos níveis de antes. Bom, eu faço a mesma pergunta.

Atividade fraca e desemprego elevado jogam a inflação de serviços e outras para baixo, é verdade, mas ficou em segundo plano o fato de o IGPM ano sobre ano em julho ter ficado em 9,27%.

OK, o IPCA ano sobre ano mais ameno e controlado em 2,37% conta uma história mais em linha com a queda na atividade e PIB. OK, o IGPM não conta para mais nada de acordo com os agentes de mercado (a razão é discutível e merece outra coluna a respeito, vá dizer isso a quem tem seu contrato de aluguel corrigido em quase 10% em meio à crise sem precedentes).

De toda forma, se considerarmos o IPCA, chegamos ao marco dos países desenvolvidos – juro real de zero ou mesmo negativo no curto prazo.

Há alguma rima e razão, como dizem os americanos, e os contratos futuros, assim como os títulos do Tesouro indexados à inflação, apontam para mais razoáveis 2% de juro real no médio prazo.

De qualquer forma, o excelente trabalho da equipe econômica, em especial do Banco Central na condução da política monetária, trouxe o país para o nível dos mais bem posicionados países emergentes.

Foi-se o tempo do juro real de mais de 6% que fazia investidores individuais felizes e tornava o trabalho dos gestores institucionais, em especial os fundos de pensão, algo fácil de realizar.

Quando os títulos públicos pagam mais do que suas metas atuariais, por que tomar risco em outras classes de ativos?

Mas hoje, com metas atuariais e benefícios a serem distribuídos ainda em níveis contratados quando o mundo era mais fácil, somente tomando risco o gestor pode esperar igualar ou bater suas metas.

É neste contexto que vejo a recuperação dos ativos financeiros. Pergunte a vários investidores e alocadores e a resposta será a mesma: “Olha o juro no país. O investidor vai precisar correr para outros ativos se quiser gerar ganhos excedentes.”

Tecnicamente, não há o que discutir. É verdade. E acredito que, olhando um pouco mais adiante, é possível imaginar preços de ativos e níveis de índices mais altos.

Mas parece que esquecemos o que trouxe volatilidade extrema aos mercados: uma pandemia, levando à paralisação das atividades econômicas e consequente aumento do desemprego e quebra de milhares de empresas aqui e mundo afora.

O que mudou, mesmo com a boa atuação dos diversos bancos centrais injetando liquidez nos mercados e pacotes econômicos tentando sustentar indivíduos e empresas em maior ou menor grau? O que realmente mudou?

Me preocupa ver o investidor individual comprando Bolsa nesses níveis com medo de perder o movimento de recuperação. Sinto informar que vocês já perderam o movimento.

O smart money – o “dinheiro esperto” – e os investidores profissionais compraram quando o Ibovespa estava em 65, 70, 75, 80, 85…90 mil pontos. Eles não perderam o movimento. Alguém está pagando a festa.

Estou sendo simplista? Talvez. O índice seguirá com os resultados das ações das empresas que o compõem.

Se você, investidor, sabe que esses resultados não serão afetados pela queda do PIB e pelo horrível resultado nominal do governo (-16% no ano), não deve se importar que, para piorar, a economia mundial continua sob pressão e há uma crise política no país, além de eleições presidenciais nos EUA em menos de 90 dias em meio à nova versão da guerra fria, agora entre EUA e China.

Só me faça um favor: apague a luz quando for o último a sair.

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