De quarto país mais rico do mundo à ruína: as lições da Venezuela

De quarto país mais rico do mundo à ruína: as lições da Venezuela

julho 10, 2020 Off Por Today Newsroom

“Na Venezuela se vive uma liberdade genuína” 

Com essa frase, o jornal espanhol El País começava seu artigo de 1976 sobre os milhares de imigrantes vindos de regimes ditatoriais na América do Sul, e mesmo da própria Espanha, que buscavam na Venezuela um porto seguro para prosperar.  

Foi por essa época também que os venezuelanos ficaram conhecidos em Miami como os “dame dos” (me dê dois), numa brincadeira sobre o quão baratos pareciam os produtos em relação à sua renda.  

Os relatos sobre a prosperidade do país eram abundantes. Alexander Guerrero, professor universitário que emigrou da Espanha para a Venezuela em 1978, narra que com seu primeiro salário, de US$ 1.700 (o dobro do PIB per capita anual da América Latina na época), conseguiu comprar seu primeiro carro. Nos dias de hoje, seu salário seria de cerca de US$ 35. Seria, claro, não estivesse ele próprio vivendo nos Estados Unidos.  

Com o 4º maior PIB per capita do planeta nos anos 50, a Venezuela parecia enfim, ter encontrado o elemento que faltava na sua conturbada história, a estabilidade democrática.  

De fato, por ao menos 3 décadas, essa junção entre um país próspero pela riqueza do petróleo abundante, e da estabilidade social, promoveu profundas mudanças, em especial na educação, e no combate à pobreza, que ao final dos anos 70, chegou a menos de 15%, cerca de metade do índice brasileiro na época.

Essa, porém, não é uma história sobre um país onde tudo ia bem, até que por infortúnio do destino encarou a revolução bolivariana e o seu socialismo do século XXI, cujos resultados catastróficos fazem hoje da Venezuela o país mais pobre da América do Sul, com 87% da população vivendo na pobreza.

Para sermos precisos, é preciso encarar que os problemas começam já com o próprio Bolívar, o herói nacional que libertou a Venezuela e outros 5 países do domínio espanhol, e que hoje é mais conhecido por aqui por integrar o time que dá nome a maior competição de futebol das Américas, a Libertadores (clube do qual fazem parte também Dom Pedro I, San Martín, Sucre e outros).

Se, para os venezuelanos, Bolívar é uma espécie de “George Washington do Sul”, em referência ao patriarca da independência das 13 colônias que formariam os Estados Unidos, para outros países, Bolívar é justamente o oposto. Trata-se, para os peruanos por exemplo, uma espécie de ditador.

Tornado independente em 1821 por San Martín, o argentino que também promoveu a independência de seu país natal, o Peru foi governado por Bolívar entre 1824 e 1826. Neste breve período, forçou o congresso do país a elegê-lo ditador, revogou a libertação de escravos promovida por San Martín e criou ainda um “imposto sobre os indígenas”.

Filho da elite criolla, a elite colonial espanhola, Bolívar nunca negou seu viés autoritário. Ao contrário de Washington e dos revolucionários das 13 colônias, a preocupação com centralização de poder jamais esteve em pauta nos processos de independência por essa região.

Por ironia da época, Bolívar se assemelhava bastante a Napoleão, que ao invadir e “libertar” países europeus, espalhando a revolução francesa, entregava aos seus o comando destes países, como a Espanha, onde José Bonaparte governaria em nome do irmão.  

Claro, ironia talvez não seja exatamente a palavra. Afinal, como Gabriel García Marquez relembra em “O general e seu labirinto”, o aristocrata Bolívar, que estudou na Europa, compareceu a posse do baixinho da Córsega, o imperador dos franceses, Napoleão Bonaparte. 

Seja pela brevidade com que governou, tendo morrido aos 47 anos e sendo chefe de 6 nações distintas na América do Sul, o fato é que a Venezuela, como outros países da região, nasceu comandada pela mesma elite local, herdeira da metrópole.

Suas instituições eram o que os economistas gostam de chamar de “instituições extrativistas”, quando um pequeno grupo toma o poder central do Estado e o utiliza para extrair o máximo de benefícios possíveis para si.

Não por coincidência, a América Latina, onde essas instituições são abundantes, é palco de incontáveis golpes de Estado e outras catástrofes financeiras.

De posse do Estado, essa elite toma conta dos meios de cobrança de impostos, e a utiliza para meios escusos. A própria Venezuela, o segundo do país do mundo em maior número de calotes na história, com 12 no total (contra 10 do Brasil e 9 da Argentina).  

Como você também já deve ter notado, estes grupos agem de maneira similar ao concentrar para si as melhores terras, e criar mecanismos para garantir que elas estejam bem protegidas com direitos de propriedade negados a maioria da população. 

Seja na Argentina, onde o Estado leiloou terras públicas para grandes latifundiários, ou no Brasil, onde Eusébio de Queiroz, um dos líderes do partido Conservador e responsável pela lei de libertação dos filhos de escravos, criou a “Lei de Terras”, que vedava aos imigrantes adquirirem propriedades no país, forçando-os a trabalhar para os fazendeiros locais, a prática é comum. 

Também comum, a exclusão do acesso a educação permeia todos os países da região que adotam tais instituições. Lembre-se que o Brasil apenas atingiu a universalização da educação nos anos 90, e ainda hoje quase 1 em cada 6 jovens abandonam a escola. 

O que distingue a Venezuela nessa história, entretanto, é sua grande oportunidade, e como mais uma vez, os erros e problemas históricos cobraram seu preço. 

Em abril de 1914 o país descobriu o petróleo. Em 1920, criou-se uma legislação sobre o caso, estabelecendo royalties e participação do governo na receita das exportações. Em 1928, 9 anos antes portanto de Monteiro Lobato lançar o “O poço do Visconde” e iniciar sua cruzada pela busca de petróleo no Brasil, a Venezuela já exportava 275 mil barris diários.  

Pelas 6 décadas seguintes o país se tornaria uma “Arábia Saudita das Américas”, em referência ao país governado pela monarquia dos Saudi, maior produtor de petróleo do mundo.

Sua economia cresceu, superando os países vizinhos e chegando a níveis elevados até para países considerados ricos. Como você já deve imaginar, ainda mais se esteve aqui pelo Brasil nos últimos anos, tamanha riqueza atraiu atenção dos políticos, ampliando os problemas históricos.

Em 1958 porém, o ditador Marco Pérez Jimenez é deposto no 7º golpe de Estado da história do país (dentre os 11, contando os bem sucedidos ou não), abrindo espaço para a Quarta República Venezuelana.

A essa altura, o país já acumulava riqueza e impressionava pela disparidade com relação aos demais países do continente. Todo esse crescimento, porém, era excludente, com taxas elevadas de pobreza. Justamente por conta disso, o objetivo central da democracia venezuelana viria a se tornar, nos anos seguintes, a redistribuição de renda.

A abertura econômica do país, que havia levado investimentos externos, não tinha sido suficiente para aplacar as questões sociais. Indo na direção oposta, o governo promove, ainda nos anos 70, a estatização da produção de petróleo.

Em meio ao choque global, com a crise de 1973, os preços disparam, e a fartura se amplia. Também se ampliam porém, os gastos públicos. Obras faraônicas são erguidas, elevando drasticamente a dívida pública.

Na ânsia de corrigir superficialmente os problemas sociais do país, o regime democrático ignora a dependência do petróleo, amplia suas apostas neste setor, e dessa maneira, ainda que com maior benefícios para a população, mantém quase inalteradas boa parte das instituições.

Não há por parte desta tentativa de aplacar os problemas sociais, uma melhora para que o ambiente de negócios se torne favorável a diversificação da economia, e claro, também não há qualquer preocupação com “poupar”.

Os venezuelanos, inebriados pelo consumo de whisky, que naquela altura já havia se tornado o maior do planeta, superando a Escócia, nem por um momento estiveram próximos de criar uma espécie de “fundo soberano”, como fez a Noruega, para guardar recursos e resguardar a economia do país da enxurrada de dólares.

Para os economistas, o nome sintomático é “doença holandesa”, ou em resumo: quando um único setor da economia se torna tão dominante que se enveredar por outros caminhos começa a não fazer sentido.

De cada US$ 100 que entravam no país, US$ 95 advinham do petróleo. Para piorar, os recursos, ainda que abundantes, eram menores que aqueles que os governantes se dispunham a gastar, acarretando em dívidas.

Foi então que os preços do petróleo começaram a cair. Entre 1981 e 1983, as exportações de petróleo caíram de US$ 19,3 bilhões para US$ 13,5 bilhões (se você é morador do Estado do Rio, já deve saber o que acontece no final dessa história, mas deixe-me contar aos demais).  

Com compromissos de gastos correntes e menos recursos, o governo então mergulha em uma espiral negativa. Em 18 de fevereiro de 1983, ocorre o que os venezuelanos passaram a chamar de “Viernes Negros” (sexta-feira negra). Em função de controles cambiais e do fim do padrão-ouro, a cotação do Bolívar derrete.

O país passará a integrar o time da “década perdida”, como ficaram conhecidos os países latino-americanos que sofreram em função da queda do preço das commodities e aumento da dívida (como o México, de onde surge o termo, ou o Brasil e a Argentina). 

Neste cenário de caos, Hugo Rafael Frias Chávez emerge, e mais uma vez, como no dia da marmota, promete compensar a população excluída com os recursos do petróleo. Como Bolívar, ou Napoleão, loteia o Estado e drena os cofres da PDVSA, a estatal de petróleo do país.

Não é preciso aqui gastar mais do que um parágrafo para mostrar o retumbante fracasso que é o socialismo do século XXI e a revolução bolivariana. Cujo resultado, além de um expressivo aumento na pobreza (que como já mencionei, atinge 87% da população), gera casos anedóticos, como a falta de combustível no país com as maiores reservas de petróleo do planeta. 

A grande questão, entretanto, está em perceber como nem mesmo dádivas da natureza, como os recursos abundantes do país, suas enormes reservas de ouro e diamante, por exemplo, resistem a instituições parasitárias. 

A falta de visão de longo prazo, o desprezo pela responsabilidade, e a urgência em aplacar os problemas simplesmente redistribuindo, e não criando riqueza, são os traços e as lições históricas da Venezuela, que fazem desta mais um triste capítulo na América Latina. 

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