E se Bill Gates fosse brasileiro?

E se Bill Gates fosse brasileiro?

junho 25, 2020 Off Por Today Newsroom

Bill Gates

Todos os anos, 20 mil brasileiros saem do país para buscar oportunidades no exterior. A “fuga de cérebros” é um sinal de alerta sobre o nosso futuro enquanto país.

Pedro Franceschini e Henrique Dubugras tinham 22 anos quando sua segunda startup, a BREX, foi avaliada em $1 bilhão, tornando-se assim um “unicórnio”.

Você talvez não conheça os dois, apesar do feito e de serem brasileiros, mas existe uma boa razão para isso: a empresa tem sede em Palo Alto, na Califórnia.

Casos como este não chegam a ser incomuns, ao menos nos Estados Unidos, onde também mora o brasileiro Michael Krieger, fundador de uma empresa que você talvez conheça, o Instagram.

Na região do Vale do silício, onde se situam universidades como Stanford e Berkeley, cerca de 71% dos trabalhadores das companhias de tecnologia são estrangeiros.

Do sul-africano Elon Musk ao cofundador do Google, o russo Sergey Brin, a região está repleta de estrangeiros que se estabeleceram por lá para criar suas empresas.

Tudo isso, claro, não acontece ao acaso. Os Estados Unidos tem uma “arma secreta”, chamada de H-1B ou “Genius Visa”, um visto concedido para quem possui excepcional formação acadêmica e alto nível de especialização.

Portanto, não chega a ser estranho que inúmeros executivos, como o próprio Musk e o CEO do Google Sundar Pichai, tenham saído em defesa do programa e contra Donald Trump, após uma ordem executiva do presidente dos EUA ter suspendido os vistos, ao menos até o final deste ano.

A decisão de Trump tem uma razão clara, controlar o avanço da pandemia da Covid-19. Mas ela acende um alerta, na região e nos próprios EUA, sobre a relevância dos estrangeiros na economia do país.

No resto do mundo, a decisão deveria, em tese, provocar uma reflexão sobre um fenômeno mais do que conhecido por aqui: a fuga de cérebros. O que leva mais de 20 mil brasileiros com ótima qualificação acadêmica a deixarem o país todos os anos?

Por aqui, onde políticos volta e meia utilizam o Vale do Silício como exemplo, prometendo criar um ambiente de inovação, as barreiras que limitam o potencial de inovação são imensas – e elas têm as formas mais diversas possíveis.

Todos os anos, gastamos cerca de 1,3% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, cerca de US$ 22 bilhões. Para você ter uma ideia, o Google e a Amazon sozinhos investem US$ 27 e US$ 29 bilhões, respectivamente.

Nosso descaso com fomentar pesquisa, ciência e criar um ambiente de negócios favorável é notório, e repleto de exemplos dos mais esdrúxulos possíveis.

Um deles é o satélite lançado em 2017 que deveria levar internet a locais remotos, mas está subutilizado por atraso na licitação das antenas que deveriam receber o sinal.

A questão central, porém, não está ligada ao país de origem, ou ao povo em si, como alguns insistem em repetir. Na realidade, trata-se do ambiente e dos incentivos criados.

Como mostra o censo americano de 2016, os indianos que vivem nos Estados Unidos são de longe o grupo étnico mais rico do país. Em média, sua renda anual é de US$ 131.746.

Se fossem um país, seriam seguramente o mais rico do mundo, a frente dos noruegueses. Masm na Índia, a renda familiar média é apenas uma fração desse valor, correspondendo a US$ 3.340 anuais.

Há, claro, um viés de seleção bastante forte neste grupo. afinal, indianos vivendo nos Estados Unidos são, em boa parte, uma pequena fração dos indianos, e com alto grau de formação, como o presidente do Google, Sundar Pichai.

Ainda assim, os números impressionam, considerando grupos mais amplos, como os latinos.

A renda familiar média de um brasileiro nos EUA é de US$ 56.151. Em outras palavras, um brasileiro que vive nos EUA é, em média, cinco vezes mais rico do que um brasileiro que more no Brasil.

Para os latinos em geral, a média de renda é quatro vezes maior do que na própria América Latina.

O motivo dessa discrepância, em linhas gerais, está na produtividade da economia americana, e, principalmente, no seu ambiente institucional.

Não apenas abrir uma empresa por lá é mais simples do que nos burocráticos países latino-americanos. Pagar impostos ou conseguir crédito é muito mais fácil por lá.

Claro que quando falamos de incentivos, as questões não são apenas abstratas, mas também bastante presentes no cotidiano de milhões de brasileiros.

Imagine, por exemplo, se Bill Gates tivesse nascido no Brasil. Qual seria o seu incentivo para criar a Microsoft?

Sim, eu sei, há uma outra questão fundamental aí, que não trata apenas de vontade, mas da condição.

Nos anos 1970 e 1980, quando Gates criou e desenvolveu a empresa (cujo valor de mercado hoje chega a US$ 1,4 trilhão, mais da metade do valor de toda bolsa brasileira), o Brasil ainda insistia em fechar seu mercado e criar uma reserva de mercado com a “Lei da Informática”.

Além disso, nossa inflação era a maior do planeta. O nível educacional da população, e, consequentemente, seu nível de renda, também era bem menor.

Ainda assim, caso quisesse se aventurar e empreender na área da tecnologia, o jovem Gates ainda enfrentaria dilemas pessoais: por que se arriscar e empreender, se ele poderia utilizar seu talento em um trabalho mais seguro, prestando um concurso, por exemplo?

No nível federal brasileiro, um funcionário público ganha, em média, 48% mais do que um funcionário em função similar na iniciativa privada.

Na prática, isso significa que boa parte dos talentos que poderiam empreender e criar negócios inovadores no país estão no setor público.

Isso é fruto de uma escolha plenamente racional – afinal, é totalmente compreensível que alguém queira buscar estabilidade e uma remuneração melhor.

Os pesquisadores Tiago Cavalcanti e Marcelo Santos (de Cambridge e do Insper, respectivamente) descobriram que uma redução de 6% no prêmio salarial pago ao funcionalismo público brasileiro poderia levar a um aumento de até 17% em nosso PIB per capita.

Um exemplo da importância deste fator pode ser observado na economia americana.

Segundo estudos, entre 20 e 40% do crescimento da economia americana entre 1970 e 2010 pode ser atribuído a uma melhor alocação de talentos.

Criar os incentivos para que pessoas talentosas não precisem se refugiar no serviço público é o que ajuda os Estados Unidos a formar um ambiente promissor para a inovação.

Porém, essa é apenas uma parte da questão. Uma legislação tributária confusa, dificuldade até para pagar impostos (que consomem 2.600 horas de trabalho por aqui, contra 291 horas no Chile, ou 160 horas, na média da OCDE) e crédito restrito.

Gastamos o mesmo valor em pesquisa e desenvolvimento de produtos e em burocracia – algo em torno de R$ 100 bilhões.

Mas, principalmente, criamos um sistema averso ao risco, do indivíduo ao grande investidor.

Com juros altos até bem pouco tempo, desestimulamos e, consequentemente, drenamos recursos de empresas que poderiam causar impacto relevante ao inovarem.

Afinal, por que investir em uma startup se, até meros três anos atrás, era possível conseguir um retorno real de 6% ao ano aplicando no Tesouro Direto?

Ainda que o investimento fosse feito, os riscos não se resumiriam ao retorno.

Como qualquer investidor brasileiro mais escaldado sabe, tão importante quanto saber analisar o balanço de uma empresa é saber quem é o ministro ligado direta ou indiretamente ao setor (como as seguras companhias do setor elétrico presenciaram na famosa MP da conta de luz).

Questões como essas fazem parte do cotidiano dos brasileiros com alto grau de especialização que abandonam o país todos os anos (além da segurança, claro).

Segundo um estudo do Fórum Econômico Mundial, o Brasil figura apenas na 80ª posição no quesito “competitividade global de talentos”.

Nosso pior resultado nesse estudo, porém, está no item “relevância do setor educacional para a economia”, no qual figuramos em 126º lugar. Nossas universidades possuem pouca ligação com o setor privado, o que acaba por minar o processo de inovação do país.

A inovação que uma empresa pode causar, em especial em setores de tecnologia, não se limita ao próprio produto.

Mais relevante do que criar uma empresa trilionária, é o impacto dela na economia como um todo. Apenas em 2015, por exemplo, o Facebook foi responsável por apoiar a criação de 4,5 milhões de empregos indiretos.

É justamente este caráter multiplicador, tão bem utilizado pelos EUA, que leva inúmeras pessoas influentes do mercado de tecnologia a se preocuparem quando são colocadas barreiras à imigração, algo que põe em risco a economia americana.

Como os estrangeiros no Vale do Silício mostram, não há nada de especial que faça americanos, indianos ou brasileiros mais ou menos criativos e capazes de criar empresas inovadoras.

É apenas uma questão de criar um ambiente no qual universidades, governos e empresas atuem de maneira coordenada.

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