A organização que seu clube precisa
junho 18, 2020Esta não será mais uma coluna falando sobre as dificuldades dos clubes. Nesta semana, vamos tentar falar um pouco sobre como as estruturas deveriam se comportar para minimizar os problemas.
Os números de 2019 já começaram a ser divulgados, sabemos de todas as dificuldades de 2020, a análise do Itaú BBA está em fase final e deve sair nas próximas semanas. E, convenhamos, já dá para saber que há joio e trigo na estrutura do futebol brasileiro.
Há os que se organizaram e os que insistem em cometer os erros de sempre. A conta vai chegando aos poucos.
Não podemos ignorar as características da indústria, dominada por dirigentes políticos preocupados com o curto prazo e as próximas eleições e que fazem qualquer negócio em busca de uma conquista que os transformem em estátua na sede social.
Futebol não é fácil de ser compreendido nem gerido. Falar estando fora é mais fácil do que do lado de dentro, mas tem uma hora que isso tem que mudar. E para mudar, será preciso reorganizar as forças e funções de cada área.
Em todas as indústrias, há discussões e metas que envolvem todas as áreas, de forma a se formar um objetivo único. No futebol, de maneira geral, a área esportiva gasta e as demais áreas correm para resolver o problema. E ele só aumenta.
Em clubes bem estruturados na Europa – e certamente isso também ocorre nos melhores clubes brasileiros – há um equilíbrio entre as quatro principais áreas da instituição: esportiva, financeira, marketing e jurídico.
Nada é (ou deveria ser) feito sem que todos os setores estivessem envolvidos e prontos a decidir dentro das regras definidas em orçamento. Até porque, se tudo der errado, a conta chegará no final da temporada como uma sanção da UEFA por quebra das regras de Fair Play Financeiro.
Uma anedota envolvendo o processo de um clube médio italiano que visitei antes da pandemia: o processo de formação do elenco para a temporada começa num comitê envolvendo Acionista, CEO, Marketing, CFO, Jurídico e Diretor Técnico Esportivo.
A partir daí, o DT Esportivo apresenta a estratégia do ano: qual será o padrão de jogo esperado, quem será o treinador, quais funções precisam ser reforçadas, quem são os atletas que devem ser vendidos (seja porque já atingiram a maturidade de desempenho, seja porque estão valorizados e ajudarão nos gastos da próxima temporada).
Todas essas avaliações são baseadas em análise de desempenho, scouting e outros dados.
Feito isso, o CFO apresenta o orçamento, previamente negociado com o DT Esportivo e o Marketing, à luz das regras do Fair Play Financeiro.
Aprovado o valor, ele segue para a execução, com ajuda da equipe Jurídica que atuará nas negociações de compra e venda de atletas.
Ninguém tem poder ilimitado, e tudo é feito a partir de uma organização comandada pelo CEO, que converge todos os setores.
Um exemplo: desde sua chegada ao cargo de CEO do Milan, o executivo Ivan Gazidis barrou algumas contratações que não haviam sido discutidas previamente e feriam o orçamento do clube, às voltas com uma reestruturação financeira. Elas também não tinham lastro na venda de atletas ou no aumento de receitas.
Não há o risco de se contratar atletas sem que haja dinheiro em caixa. As vendas são feitas para minimizar os impactos esportivos e maximizar os financeiros. Atletas que podem gerar lucro e contribuir para atingir as metas de equilíbrio financeiro são os primeiros da lista de negociação.
O marketing trabalha como área de negócios que busca engajar torcedores e aumentar a base de fãs usando estratégias digitais, mas sempre de olho no torcedor próximo, que vai aos jogos. O conteúdo é parte da estratégia e não a tábua de salvação.
Vamos retomar alguns exemplos que mostram isso. O Tottenham ficou uma temporada sem contratar atletas porque seu orçamento estava voltado à construção de seu estádio. Não há dinheiro mágico de um mecenas, que justifique extravagâncias.
Assim também fez o Liverpool, que não contratou ninguém na última janela de verão – Klopp justificou a falta de novos jogadores dizendo que antes o clube precisava pagar suas contas.
Ao negociar Gabigol, a Inter de Milão levou o tema até o limite: O clube italiano fez conta, vendendo o atleta pelo valor que lhe traria o lucro necessário para compor o resultado financeiro do ano.
São apenas alguns poucos e conhecidos exemplos que mostram como se pensa o futebol de forma profissional.
No Brasil, ainda vemos presidentes de clubes que atrasam salários pensando nas contratações que o ajudem a vencer a próxima eleição, ou clubes que contratam atletas contando com a chegada de patrocinadores que paguem uma conta que não é deles.
Não adianta ter profissionais qualificados nas áreas de finanças e marketing, por exemplo, se o trabalho deles é sempre o de bombeiro. E boa parte dos clubes possui profissionais altamente qualificados nesses setores que acabam tendo que girar os pratos impulsionados pela área esportiva.
Aliás, o grande gargalo do futebol brasileiro é justamente na parte esportiva. Faltam profissionais capazes de entender o que é montar um elenco, como se organiza e trabalha uma categoria de base, como se transforma análise de dados em elenco eficiente, conquistas e dinheiro.
Mas todos contratam, demitem, recontratam, sem o devido cuidado com o futuro do clube.
Falta aos clubes brasileiros o conceito de unidade administrativa. Todas as indústrias possuem uma atividade. Mas, para que ela seja executada com perfeição, é necessário que várias outras trabalhem lado-a-lado.
Os dados financeiros de 2019 do futebol brasileiro apontam para uma divisão clara entre os clubes que estão na direção de crescimento sustentável e aqueles que viverão sempre à espera de um milagre.
O problema é que, hoje, os milagreiros estão trabalhando para salvar uma série de indústrias. E a do futebol é só uma delas. É preciso apagar a vela, acender a luz e encarar a realidade.