TSE começa a julgar ações contra Bolsonaro e Mourão: entenda cada caso
junho 6, 2020SÃO PAULO – O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, agendou para a próxima terça-feira (9) o julgamento de duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJEs) que pendem a cassação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o vice, Hamilton Mourão.
Os autores das ações alegam que hackers atacaram um grupo de Facebook com o objetivo de beneficiar a chapa eleita para o comando do país em 2018. Uma foi ingressada pela coligação “Vamos Sem Medo de Mudar o Brasil” (Psol/PCB) e pelo então candidato Guilherme Boulos e a outra pela coligação “Unidos para Transformar o Brasil” (Rede/PV) e pela então candidata Marina Silva.
Eles afirmam que, durante a campanha presidencial, o grupo virtual “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, que reunia mais de 2,7 milhões de pessoas, sofreu ataque de hackers que alteraram o conteúdo, o visual e o nome da página, para “Mulheres COM Bolsonaro #17”. O grupo passou a compartilhar mensagens de apoio ao então candidato Jair Bolsonaro (PSL) e o vice Hamilton Mourão (PRTB) e a excluir participantes que os criticavam.
Ainda de acordo com os representantes das ações, Bolsonaro publicou em seu perfil no Twitter a mensagem: “Obrigado pela consideração, mulheres de todo o Brasil!”, acompanhada de foto da página modificada do grupo, o que, segundo eles, indicaria provável participação do então candidato no episódio ou sua ciência do ilícito.
Também foram citadas críticas do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, à página antes de o ataque hacker ocorrer, entendidas pelos autores como incitação para que a ação sobre a página ocorresse posteriormente.
O julgamento dos casos que tratam da ação de hackers em rede social havia começado em novembro do ano passado, com o relator, ministro Og Fernandes, apresentando posição pelo arquivamento de ambos. Em seu voto, o magistrado pontuou que, mesmo que tenha sido comprovada a invasão da página por provas dos autos e por informações prestadas pelo Facebook, as investigações não foram conclusivas quanto à sua verdadeira autoria.
Ele acrescentou que a invasão ao perfil em rede social perpetrada por menos de 24 horas não teve gravidade capaz de causar ofensa à normalidade e à legitimidade do pleito que possa repercutir em outras áreas do Direito. Os autores das ações pediam uma prorrogação dos prazos para que investigações fossem realizadas sobre a autoria do ataque à página antes que o caso fosse julgado.
“À luz do princípio da reserva legal proporcional, nem todo ato ilícito reconhecido por esta justiça especializada será necessariamente abusivo, e, por conseguinte, apenado com inelegibilidade e cassação do registro do mandato ou do diploma, sendo cabível impor sanções outras – a exemplo da suspensão imediata da conduta, direito de resposta e multa”, afirmou em manifestação oral do voto.
“É o posicionamento desta Corte que o uso indevido dos meios de comunicação social consubstancia uma espécie de abuso de poder econômico. No caso, conquanto provada a materialidade do ilícito, as diligências investigativas não foram conclusivas quanto à verdadeira autoria dos ilícitos. Além disso, a invasão em perfil em rede social perpetrada por menos de 24h, não teve gravidade capaz de gerar ofensa à normalidade e à legitimidade do pleito, conquanto possa repercutir em outras áreas do direito, como a civil e a penal”, concluiu.
O ministro Edson Fachin, porém, antecipou voto pediu vistas para examinar melhor os processos e a existência de eventual cerceamento de direito de defesa. O magistrado citou posição adotada pelo relator e o Ministério Público Eleitoral contra a suspensão da AIJE para aguardar investigações em curso por outros órgãos (em referência às apurações sobre a autoria do ilícito) sem que estejam claros proveitos do resultado final sobre o caso em discussão.
Quase 20 meses após o fim daquelas eleições, o caso volta à mesa do TSE. Para quem acompanha de perto as ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão no tribunal, os processos que serão discutidos na próxima semana são classificados como de menor risco aos eleitos. Mas há peças que despertam maior preocupação do governo.
“Não se espera que o TSE vá dar nenhuma decisão que coloque em risco o mandato do presidente na semana que vem. O que esperamos deste julgamento são mais recados [dos magistrados] e devemos conhecer um pouco os conceitos e balizas jurídicas em que os ministros irão se apoiar para lidar com as questões”, observa a analista política Débora Santos, da XP Investimentos.
A especialista argumenta que as questões que envolvem possíveis abusos de poder político e econômico em ações nas redes sociais e disparos por aplicativos de mensagens – conceitos tratados em outras ações contra a chapa presidencial – ainda são muito novas para o tribunal e exigirão a consolidação de uma jurisprudência. “Teremos a oportunidade de ver como o TSE vai se comportar frente a esse tema”, complementa.
As ações em pauta na próxima semana, embora tenham baixas chances de êxito – tendo em vista posições contrárias já apresentadas pelo relator e pelo Ministério Público Eleitoral – podem oferecer uma oportunidade para os ministros trabalharem na discussão de conceitos e da natureza de provas para os desafios impostos pelas novas tecnologias ao sistema eleitoral, a serem discutidos com maior profundidade em outras AIJEs ainda em tramitação.
Fila longa…
Ao todo, foram ajuizadas 15 ações que pedem a cassação da chapa presidencial até o esgotamento do prazo definido pela legislação – ou seja, 15 dias após a diplomação. Destas, sete foram arquivadas definitivamente, com decisão transitada em julgado. As demais permanecem abertas em distintas etapas de tramitação.
Conforme consta no sistema do próprio tribunal, há quatro AIJEs – duas de autoria da coligação “Brasil Soberano” (PDT/AVANTE), do candidato Ciro Gomes, e duas de autoria da coligação “O Povo Feliz de Novo”, do candidato Fernando Haddad – contra Bolsonaro e Mourão por um suposto uso indevido de meios de comunicação e abuso de poder econômico em razão de disparos em massa. Todas essas estão em fase de instrução.
As quatro ações citam como elemento central reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, que dizia que empresas estavam comprando pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT. Segundo a matéria, datada de 18 de outubro de 2018, cada contrato chegava a R$ 12 milhões. A loja de departamento Havan, do empresário bolsonarista Luciano Hang foi citada como uma das compradoras do serviço.
De acordo com a reportagem, as empresas apoiadoras de Bolsonaro comparam um serviço chamado “disparo em massa”, usando a base de usuários do próprio candidato ou bases vendidas por agências de estratégia digital. Tal uso é vedado pela legislação eleitoral, assim como a contratação dos serviços por companhias, já que burlaria a proibição à doação empresarial de campanha (e por isso também não constaria nas contas de campanha).
Os representados pedem o indeferimento das ações, sob a alegação de ausência de documento comprobatório do suposto ilícito. Eles afirmam não ter conhecimento de nenhuma contratação de serviços de disparos de mensagens em massa a favor de suas candidaturas.
… e prazo indeterminado
Conforme explica o advogado eleitoral Cristiano Vilela, sócio do escritório Vilela, Silva Gomes & Miranda Advogados e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, as Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJEs) podem ser apresentadas por qualquer partido político, coligação, candidato ou pelo Ministério Público Eleitoral.
“Esse tipo de ação é utilizada para pedidos de abertura de investigação judicial, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias para apurar o uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político”, explica.
Nas AIJEs, ao receber a ação, o ministro relator (que no âmbito do TSE é sempre o corregedor-eleitoral), caso não indefira de início pela falta de requisitos mínimos para a abertura do processo, determina a manifestação dos representados em até cinco dias. Depois disso, formalmente está definida a abertura de um prazo de mais cinco dias para oitiva das testemunhas e, em seguida, três dias para o cumprimento de eventuais diligências.
Contudo, dada a complexidade dos casos e provas mencionadas pelos autores é comum que a fase de instrução se arraste por muito mais tempo que o previsto, o que torna o calendário das ações incerto no TSE.
Passada essa etapa, será aberto prazo comum aos interessados e ao Ministério Público para a apresentação de alegações finais. Não é incomum, porém, pedidos para que o processo retorne à fase de diligências, sob a alegação de testemunhas importantes não terem sido ouvidas e provas relevantes colhidas.
Caso essa etapa seja concluída, os autos retornam ao relator e, em seguida, são levados à mesa para inclusão na pauta de julgamento, definida pelo presidente do TSE – hoje, o ministro Luís Roberto Barroso. Se eventualmente houver condenação, ambos os mandatários podem perder o mandado e ser enquadrados como inelegíveis.
Novo contexto
Como lembra o advogado eleitoral Fernando Neisser, sócio do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados e fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), por muitos anos, autores de AIJEs enfrentavam obstáculos quase intransponíveis na produção de provas.
O entendimento antigo, de que tais ações deveriam mostrar que o fato apontado teria sido determinante para o resultado das eleições, foi modificado com a Lei da Ficha Limpa e passou-se a analisar a gravidade da conduta apontada. O novo contexto gerou um aumento no número de cassações país afora pela Justiça Eleitoral.
Por outro lado, a legislação eleitoral dialoga com o princípio da estabilização, segundo o qual há um prazo curto para que ações sejam ajuizadas e não é possível alterar o pedido e os indícios apontados como provas inicialmente. Os magistrados observam limites traçados pelo pedido para que sejam respeitados no curso do processo.
“A partir de quando passa o prazo decadencial, está estabilizada a causa do pedido de ação. Ela não pode mais mudar. Ou se prova, ou não”, ressalta o especialista sem abordar concretamente as AIJEs contra a chapa Bolsonaro-Mourão em tramitação no TSE.
Outro elemento citado por especialistas é o fato de a jurisprudência não exigir vinculação entre a chapa beneficiária e as irregularidades cometidos para que ocorra a cassação. Isso seria necessário apenas para o caso de aplicação de pena da inelegibilidade.
Provas em disputa
O fato de quatro AIJEs terem como elemento central uma reportagem é vista por alguns juristas como ponto fraco das ações e já foi usada nos autos como justificativa pelo ministro relator para recusar pedidos dos autores para a coleta de provas, em casos envolvendo possíveis quebras de sigilo e oitivas.
Nesta semana, o PT apresentou um pedido para que o Tribunal permita o compartilhamento de provas do inquérito das fake news, em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), com duas ações de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão. Há também pedidos para inclusão de conteúdos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, em andamento no Congresso Nacional, e reportagens publicadas na imprensa.
O conteúdo daria mais elementos para as ações, o que em tese poderia ampliar os riscos ao presidente e seu vice. Defensora da chapa vencedora, a advogada Karina Kufa pediu que o TSE recusasse o pleito, sob alegação de que o conteúdo não teria relação com o objeto original da ação de investigação eleitoral.
“Em nada corrobora com esta ação a investigação capitaneada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal sobre notícias falsas direcionadas à figura dos insignes Ministros daquela Egrégia Corte”, argumentou. A advogada pede o encerramento da fase de instrução das ações.
Nos bastidores, há uma avaliação de que o compartilhamento de provas pode dar novo fôlego às ações que pedem a cassação da chapa presidencial. Evidências encontradas pela Polícia Federal em recente operação contra aliados do governo podem ajudar a desvendar sobre o suposto esquema de disparo de mensagens em massa. Dependendo da temperatura política, também é possível que haja mais dificuldades no TSE.
“Obviamente que não vai ser uma unanimidade no plenário, mas há chances importantes [da inclusão das novas provas]. A composição do TSE que temos a partir desta semana, com a chegada do ministro Alexandre de Moraes, favorece essa visão de possibilidade de inclusão de novas provas dentro do processo ainda em instrução”, observa Débora Santos.
“A avaliação do tribunal é predominantemente técnica. Evidentemente, o calor dos acontecimentos políticos auxilia na forma como determinadas provas são interpretadas. Assim, caso venha a aumentar a temperatura do jogo político atual ou sejam identificadas determinadas manifestações antidemocráticas, por exemplo, isso tende a influenciar em alguma medida”, avalia Cristiano Vilela.
Embora sejam processos jurídicos, analistas observam o fator institucional como fundamental para os desdobramentos das ações. “Como vimos no julgamento da chapa Dilma-Temer, é preciso um clima institucional para que uma ação dessas que culmina na cassação de uma chapa eleitoral seja levada à frente”, pontua Débora.
“Esses julgamentos têm mais ou menos a mesma necessidade, para acontecer, em termos de, de clima institucional e político, que processos de impeachment”, complementa. A avaliação dos analistas é que hoje as chances para tais movimentos prosperarem cresceram, mas seguem minoritárias.
Como muitos ainda estão em fase de instrução e é possível pedido de vistas aos ministros durante o julgamento, há uma expectativa de que as ações ainda se arrastem no TSE, mantendo uma pressão sobre presidente e vice.
Caso a caso
Também tramitam no TSE outras duas ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão. Uma delas trata de suposto uso indevido de meios de comunicação, relativa a um possível favorecimento da TV Record. O pedido já foi julgado improcedente e está em fase de embargos de declaração.
Outra trata de suposto abuso de poder econômico em razão de colocação de outdoors com padrões e mensagens semelhantes, em pelo menos 33 municípios, distribuídos em 13 estados. O caso aguarda inclusão na pauta para julgamento pelo plenário do Tribunal.
Eis a relação de todas as ações ainda abertas:
Favorecimento (AIJE 0601969-65)
A coligação “O Povo Feliz de Novo” (PT/PCdoB/PROS), do então candidato Fernando Haddad (PT), ajuizou ação sob alegação de que o então candidato Jair Bolsonaro teria utilizado indevidamente veículos e meios de comunicação do grupo Record.
Os autores alegam que o adversário teria sido beneficiado por “tratamento privilegiado” durante a campanha eleitoral, com transmissões no canal, vídeos publicados na internet e matérias jornalísticas. Segundo eles, a exposição desproporcional ganhou relevo após o bispo Edir Macedo, dono do canal, declarar voto em Bolsonaro.
Eles também citam como uma afronta ao princípio da igualdade e da isonomia dos candidatos o fato de Bolsonaro ter concedido entrevista exclusiva ao canal, transmitida no horário em que ocorreria o debate entre os presidenciáveis, mas que não ocorreu pelo não comparecimento do então candidato por razões de saúde, em função do atentado à facada sofrido em Juiz de Fora (MG).
A ação já foi julgada improcedente e encontra-se em fase de embargos de declaração.
Ataque hacker (AIJEs 0601369-44 e 0601401-49)
Duas ações foram ajuizadas alegando abuso de poder em episódio de hackeamento de grupo do Facebook contrário à candidatura de Jair Bolsonaro à presidência. A página “Mulheres Unidas contra Bolsonaro” teve o nome temporariamente alterado para “Mulheres COM Bolsonaro #17”. Manifestações de Bolsonaro e seu filho, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), nas redes sociais foram citadas como agravantes pelos autores.
Os autores do ataque não foram revelados. Embora investigações ainda estejam em curso em outras esferas (motivo pelo qual os autores pedem que o caso volte à fase de instrução), o relator das ações, ministro Og Fernandes, votou, em novembro, pela improcedência da ação, acompanhando posição do Ministério Público Eleitoral. Na ocasião, o ministro Edson Fachin pediu vistas.
O julgamento está previsto para ser retomado na próxima terça-feira (9). As ações são de autoria da coligação “Vamos Sem Medo de Mudar o Brasil” (Psol/PCB), do então candidato Guilherme Boulos (Psol), e da coligação “Unidos para Transformar o Brasil” (Rede/PV), da então candidata Marina Silva (Rede).
Outdoors (AIJE 0601752-22)
A coligação do então candidato Fernando Haddad (PT), ajuizou ação contra possível abuso de poder econômico pela chapa Bolsonaro-Mourão na colocação ilegal de dezenas de outdoors em, pelo menos, 33 municípios, distribuídos em 13 estados.
O autor salienta que a “uniformidade das peças publicitárias” impugnadas revelaria “a existência de uma ação orquestrada, a escapar da singela manifestação de apoiadores desavisados”, o que afastaria o argumento da defesa de se tratar de “ato espontâneo e despretensioso de apoiadores isolados”.
A ação está para inclusão em pauta de julgamento do plenário.
Disparo de mensagens (AIJEs 0601779-05, 0601782-57, 0601771-28 e 0601968-80)
Quatro ações foram ajuizadas alegando suposta contratação de serviços para disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp, em tom crítico ao PT, por empresas simpáticas à candidatura de Jair Bolsonaro à presidência. As peças têm como elemento central reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo em 18 de outubro de 2018.
Duas são de autoria da coligação “O Povo Feliz de Novo” (PT/PCdoB/PROS), do então candidato Fernando Haddad (PT), e outras duas da coligação “Brasil Soberano” (PDT/AVANTE), do então candidato Ciro Gomes (PDT). Estes casos são os com risco considerado mais elevado para o governo, segundo analistas.
As ações estão em fase de instrução. Em duas delas, o PT solicitou o compartilhamento de provas com o chamado “inquérito das fake news”, conduzido pelo Supremo Tribunal Federal, e com a CPMI das Fake News no Congresso Nacional, além de reportagens publicadas na imprensa.