Juiz federal beneficia a si mesmo e sabota reforma da Previdência
maio 21, 2020Com a pandemia do novo coronavírus, boa parte dos outros assuntos foram esquecidos. Lembra de quando discutíamos a reforma da previdência? Por um bom tempo, foi o tema central do debate público brasileiro. Todos discutíamos a importância do combate aos privilégios e de reformas que tornassem mais eficientes as políticas sociais do estado brasileiro. Nos últimos meses, esquecemos o assunto – e grupos privilegiados, como a AJUFE, se aproveitaram disso.
AJUFE é a Associação de Juízes Federais do Brasil. Um grupo muito poderoso cujos membros integram o 1% mais rico da população brasileira, além de possuírem um invejável poder de lobby. Recentemente, a AJUFE deu mais uma demonstração do seu poder. Em liminar concedida pelo juiz federal Renato Borelli, a associação conseguiu suspender um importante trecho da reforma previdenciária sancionada em novembro passado.
A reforma aprovada no ano passado previa um regime de alíquotas progressivas para a contribuição previdenciária dos servidores. Traduzindo do economês para o português, isso significa que quem ganha mais contribuiria mais para a previdência. Quanto maior o salário do servidor, maior a alíquota de contribuição.
Antes da reforma, a contribuição dos servidores era equivalente a 11% do salário integral, no caso de quem entrou no serviço público antes de 2013, ou 11% do teto do INSS, no caso de quem entrou depois. Após a reforma, cada faixa de salário paga uma alíquota diferente, que começa em 7,5% e chega a 22% na faixa de salário que exceder R$ 40797,20.
Vale lembrar que as novas alíquotas funcionam de maneira similar ao Imposto de Renda. Isto é, apesar da alíquota marginal máxima ser de 22%, esta porcentagem não incide sobre todo o salário – ou seja, não é esta a alíquota efetivamente paga pelos servidores de alta renda.
Por exemplo, um servidor com salário de R$ 22 mil teria uma alíquota marginal máxima de 19%, mas a alíquota efetivamente paga por ele (o valor da contribuição total, dividido pelo salário) está ao redor de 15%. O gráfico abaixo apresenta a alíquota efetiva paga pelo servidor (eixo vertical) conforme o salário dele (eixo horizontal).
Segundo o juiz federal Renato Borelli, esse sistema de alíquotas progressivas é inconstitucional, pois representa “confisco” da remuneração. O próprio Renato é um dos maiores beneficiários da sua decisão, que atende a um pedido dos seus colegas da AJUFE. Eis o que diz a sentença em seu argumento principal:
“Em alguns casos, a carga tributária, considerando a soma da alíquota efetiva da contribuição previdenciária com o imposto de renda incidente sobre o vencimento ou o provento, ultrapassa o percentual de 40% (quarenta por cento) da renda mensal. Feitas estas ponderações, (…) não se pode considerar razoável uma tributação que alcança quase a metade dos vencimentos ou proventos dos servidores e pensionistas.”
De acordo com o critério do juiz Renato Borelli, os seguintes países possuem um sistema tributário de caráter confiscatório: Suécia, Japão, Dinamarca, França, Áustria, Grécia, Canadá, Holanda, Israel, Finlândia, Irlanda, Alemanha, Portugal, Austrália, Bélgica, Luxemburgo, Reino Unido, Islândia, Estados Unidos, Espanha, Coreia do Sul, Itália, Eslovênia, Suíça, Noruega, Turquia e Letônia.
Dados da OCDE indicam que todos os países citados aplicam alíquotas que superam 40% na soma do imposto de renda com a contribuição previdenciária. Ou o mundo inteiro adota práticas tributárias absurdas, ou a decisão liminar de Renato Borelli é absurda.
Não há posição no espectro ideológico que comporte a visão do juiz neste caso. Para um cidadão de inclinação socialista, a decisão cria uma jurisprudência que pode até inviabilizar reformas que cobrem maiores impostos dos trabalhadores de alta renda. Para um liberal, a decisão aumenta as transferências do Estado para servidores privilegiados e favorece a irresponsabilidade fiscal.
Durante muitas décadas, o Brasil teve um sistema previdenciário que transferia aos servidores de alta renda muito mais do que eles contribuíram ao longo da carreira. Tais desequilíbrios levaram a uma situação na qual o financiamento de todas as outras políticas públicas era sufocado por uma previdência descontrolada. Estranhamente, o Judiciário jamais viu tal injustiça como confisco. Como cidadão, tenho direito de indagar por que o senso de justiça da AJUFE floresceu apenas agora, em benefício dos juízes federais.
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Também é importante notar que a decisão monocrática do juiz Renato Borelli anulou a decisão colegiada do Congresso Nacional. Afinal, a reforma da previdência foi aprovada por maioria qualificada em dois turnos das duas casas parlamentares. Deputados e senadores possuem a legitimidade do voto. Não é razoável que um magistrado, sozinho, suspenda o que foi decidido pelos legítimos representantes do povo brasileiro. Concurso público não é eleição.
Mais uma vez, a Justiça Federal promove a injustiça e promove interpretações criativas do texto Constitucional. O fato da decisão beneficiar o decisor adiciona um elemento de escândalo que precisa ser discutido no parlamento. Até quando aceitaremos um Judiciário que pode prover privilégios a seus membros sem qualquer ponderação rigorosa sobre o interesse público?