O ministro e o câmbio

O ministro e o câmbio

março 28, 2020 Off Por Today Newsroom

por Reginaldo Nogueira *

O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem usado repetidas vezes suas aparições públicas para falar sobre a taxa de câmbio. Em evento recente em Brasília, Guedes afirmou que é “melhor juro a 4% e câmbio a R$ 4, do que câmbio a R$ 1,80 e juros de 14%”. Ignorando as figuras de linguagem – muitas vezes, impróprias – usadas pelo ministro em suas falas de improviso, vale avaliar com alguma profundidade essa dicotomia de juro alto/câmbio baixo ou juro baixo/câmbio alto apresentada por ele.

O que determina as taxas de juros e de câmbio é o quanto uma sociedade consegue financiar seu próprio investimento. Quando a poupança doméstica é baixa, há poucos recursos disponíveis para financiar novos projetos de investimento, e, por um simples mecanismo de oferta e demanda, o custo desse financiamento irá subir. Logo, os juros serão mais altos. Esses juros mais altos sinalizam para o restante do mundo que há oportunidades de financiamento bem lucrativas no País, atraindo dólares para cá. A chegada desses dólares, novamente em um mecanismo de oferta e demanda, faz com que seu preço (o câmbio) caia. E, assim, chegamos à situação de juros altos e câmbio baixo, descrita pelo ministro.

Por outro lado, se a poupança doméstica é alta, ou seja, a sociedade gera recursos em volume suficientes para suprir os investimentos, o custo do capital irá cair. Em outras palavras, a taxa de juros será mais baixa. Mas isso irá provocar a saída de capitais do Brasil, atrás de melhores oportunidades de retorno ao redor do mundo. Novamente, por meio de um mecanismo simples de oferta e demanda, essa saída de dólares irá fazer com que seu preço, o câmbio, suba. E assim chegamos à situação de juros baixos e câmbio alto, descrita pelo ministro.

É claro que há outras complicações nessa história. Eu não comentei sobre reservas internacionais ou diferenciais das inflações doméstica e externa, por exemplo. Entretanto, o que gostaria de reforçar é que a poupança doméstica é uma variável fundamental para explicar essa relação entre juros e câmbio, tantas vezes apontada por Guedes. Essa poupança depende, é evidente, das opções individuais entre consumos presente e futuro. Mas, no caso do Brasil atualmente, é o déficit público a complicação adicional que gostaria de acrescentar nesta discussão.

Como disse, a poupança doméstica irá financiar o investimento, mas não é apenas isso. Quando o governo incorre em déficits, é essa mesma poupança que poderá socorrê-lo, via empréstimos e endividamento. Assim, o financiamento dos gastos do governo e do investimento são concorrentes, numa disputa tão mais brutal quanto mais escassa essa poupança.

A taxa de poupança brasileira tem flutuado ao redor de 15% do PIB, um porcentual inferior ao de economias emergentes de alto desempenho econômico. Mesmo que ela fosse toda canalizada ao financiamento do investimento privado, o montante não seria o desejável. Mas há o déficit fiscal. O resultado primário do setor público (receita menos despesas, desconsiderando pagamento de juros) está um pouco abaixo de 1% do PIB; o déficit nominal (receita menos despesas, incluindo pagamento de juros) está em quase 6% do PIB. Isso significa que, na relação entre juros e câmbio, o déficit público desempenha um papel importante.

O controle do déficit tem ocupado boa parte da agenda econômica nacional, mas muito ainda precisa ser feito. A Reforma da Previdência foi um passo importante, mas ainda faltam as reformas Tributária e Administrativa, além de uma ampla reavaliação dos gastos obrigatórios. Sem um controle efetivo desse déficit, haverá pressão crescente sobre a destinação da poupança doméstica, afetando as taxas de juros. É muito difícil que os juros continuem em um patamar tão baixo sem que a situação fiscal esteja plenamente equacionada. Nesse caso, haveria subida dos juros e atração de poupança externa, jogando o câmbio novamente para baixo, retornando ao equilíbrio de juro alto/câmbio baixo que tanto parece atormentar o ministro da Economia. Nesse caso, a melhor política é reforçar as agendas fiscal e de cortes de gastos.

* Reginaldo Nogueira é PhD em Economia e diretor-geral do Ibmec-SP

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