Câmara aprova texto-base do novo ICMS sobre combustíveis; veja o que muda
outubro 14, 2021SÃO PAULO – O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (13), o texto base de projeto de lei complementar que institui uma nova metodologia para a cobrança de ICMS pelos estados e o Distrito Federal sobre combustíveis (PLP 11/2020).
O texto, relatado pelo deputado Dr. Jaziel (PL-CE), por 392 votos a 71, busca frear as altas nos preços desta categoria de produtos em um contexto de preocupação da classe política com os impactos da inflação, que acumula alta de 10,25% em 12 meses no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os combustíveis são uma das categorias que mais sofreram reajuste nos últimos meses. Segundo o IBGE, a gasolina acumula uma alta de 39,60% em 12 meses. O óleo diesel, 33,05%. Já o etanol, 64,77%. O movimento se explica por uma combinação de fatores, como a alta dos barril de petróleo no mercado internacional e a apreciação do dólar em relação ao real.
Parlamentares favoráveis à matéria também argumentam que a medida busca trazer mais previsibilidade para um produto tão relevante para a vida da população e o funcionamento da economia. Críticos, porém, alegam que o instrumento não necessariamente acarretará em redução de valores e que o projeto deixa de fora uma discussão mais ampla sobre a política de preços dos combustíveis.
O ICMS é a segunda variável de maior impacto sobre o preço do diesel e da gasolina na bomba, correspondendo, em média, a 27,9% e 15,4%, respectivamente. Só perde para o próprio preço de realização da Petrobras: 33,6% e 54,0%, na ordem. Embora as alíquotas não tenham sofrido modificações recentemente, a alta do preço final trouxe um impacto ainda maior do tributo – o que gerou uma queda de braço entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e governadores.
“Independentemente da política de preços da Petrobras, a carga tributária é decisiva para o elevado custo dos combustíveis”, argumentou o relator da proposta. Segundo ele, a medida “colaborará para a simplificação do modelo de exigência do imposto, bem como para uma maior estabilidade nos preços desses produtos”.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que a a proposta de rever o ICMS sobre os combustíveis foi objeto de acordo com os líderes partidários, com a oposição se comprometendo a não obstruir a sessão. Ele foi um dos principais patrocinadores da mudança aprovada pelos deputados.
“O governo propôs unificar as tarifas de ICMS no Brasil em todos os estados – o que todos nós não concordávamos – e o que nós estamos votando é um projeto que cria uma média dos últimos dois anos e, sobre esta média, se multiplica pelo imposto estadual de cada estado, com total liberdade para cada estado”, afirmou.
Caso a nova regra entre em vigor, o ICMS cobrado em cada unidade da federação será fixo e calculado com base no preço médio dos combustíveis nos dois anos anteriores.
Mas, para isso, o texto ainda precisa ser analisado pelo Senado Federal e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Entenda como é hoje a cobrança do tributo sobre os combustíveis e como seria com a aprovação do projeto:
Modelo atual
O Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviço de Transporte Interestadual Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) é um tributo sobre o consumo e uma das principais fontes de receitas dos estados.
O tributo incide sobre o valor agregado a cada etapa da cadeia produtiva, em um sistema de débito e crédito pensado para evitar a cumulatividade.
Por exemplo: um produto com valor de R$ 100,00 sai da indústria tributado em ICMS líquido (ou seja, desconsiderando um conjunto de insumos e matérias-primas que poderiam reduzir o valor via crédito) de 25% (R$ 25,00).
Supondo que a distribuição no atacado agregue valor de 50% para venda ao varejo, o imposto recolhido, pelo princípio da não-cumulatividade e da tributação sobre o valor agregado, é de R$ 12,50 adicionais ‒ considerando a mesma alíquota de 25%, desta vez aplicada sobre R$ 50,00.
Dando continuidade à cadeia, imaginando que o varejo faça a venda do mesmo produto a R$ 200,00, haveria outro recolhimento de R$ 12,50, considerando o valor agregado de mais R$ 50,00 nesta etapa e uma alíquota mantida em 25%.
No caso dos combustíveis ou lubrificantes, derivados ou não de petróleo, aplica-se a chamada substituição tributária, com a cobrança na origem, conforme estabelece Convênio nº 110, de 2007, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Consefaz).
Na prática, trata-se da antecipação de todo o ICMS cobrado ao longo da cadeia de comercialização do produto. A indústria, usina ou refinaria recolhe também como contribuinte do atacado, da distribuição e do próprio varejo a integralidade do imposto que seria devido. Em muitos estados que não têm refinaria própria, o imposto recolhido na distribuição é maior em termos nominais, já que haveria maior agregação de valor.
E o cálculo dos valores devidos depende da aferição da chamada Margem de Valor Agregado (MVA), obtida a partir da verificação dos preços praticados no varejo em um período específico. As secretarias de Fazenda fazem pesquisas junto aos estabelecimentos para indicar à indústria a margem praticada no produto.
Como os postos de combustíveis podem cobrar o preço que desejarem sobre o produto, a indústria ou refinaria ‒ responsável pelo recolhimento de todo o tributo da cadeia ‒ precisa de uma estimativa para a quanto o consumidor final pagará pelo combustível.
É assim que se chega ao famoso Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final (PMPF) em cada estado, principal componente para a definição do MVA e do valor do imposto cobrado.
O levantamento leva em consideração critérios como as regiões e municípios de maior consumo na unidade da federação e a quantidade consumida.
Os valores são atualizados a cada 15 dias, o que mitiga o efeito da volatilidade característica do mercado internacional de combustíveis ‒ que, além da flutuação dos preços dos barris de petróleo no exterior, é exposto ao câmbio ‒, mas gera maior defasagem nos valores.
Há outras cinco variáveis envolvidas no cálculo:
1) Alíquota do tributo;
2) Valor da aquisição pelo sujeito passivo por substituição tributária ‒ ou seja, os valores negociados entre distribuidora e refinaria (conhecido como VFI);
3) Valor constituído pela soma do frete, seguro, tributos, contribuições e demais encargos transferíveis ou cobrados do destinatário (FSE);
4) Índice de mistura no combustível comercializado (IM). No caso da gasolina, a mistura é de cerca de 73% de gasolina A e 27% de Etanol Anidro. Para o diesel, a mistura obrigatória envolve 12% de biodiesel;
5) Fator de correção do volume (FCV), que considera efeitos como o da evaporação de parte do produto. O Ato Cotepe nº 64, de 2019, define os fatores a serem aplicados por estado. Trata-se de medida para evitar a cobrança de ICMS sobre produto que não chegou ao posto.
Eis a fórmula aplicada:
MVA = {[PMPF x (1 – alíquota)] / [(VFI + FSE) x (1 – IM)] / FCV – 1} x 100
Para finalmente chegar à base de cálculo para a substituição tributária, é necessário somar MVA, VFI e FSE. Multiplicando-se o resultado pela alíquota cobrada, tem-se o valor de ICMS cobrado por litro de gasolina C (consumidor final), respeitando a mistura obrigatória.
Apesar de o PMPF buscar refletir o valor médio cobrado na bomba nos estados, ele influencia a própria formação dos preços, já que é decisivo na definição do valor de ICMS cobrado. É por isso que este tem sido um dos principais alvos no debate político recente.
O imposto é a segunda variável de maior impacto sobre o preço do diesel e da gasolina na bomba, correspondendo, em média, a 27,9% e 15,4%, respectivamente. Só perde para o próprio preço de realização da Petrobras: 33,6% e 54,0%, na ordem.
Outra metodologia
A disparada nos preços dos combustíveis tornou-se uma das principais preocupações do mundo político nos últimos meses. Com o projeto de lei complementar aprovado nesta noite, os parlamentares tentam frear o movimento e trazer maior previsibilidade para o consumidor.
Um dos principais patrocinadores da ideia, Arthur Lira argumenta que as mudanças na legislação devem levar à redução do preço final praticado ao consumidor de, em média, 8% para a gasolina comum, 7% para o etanol hidratado e 3,7% para o diesel B.
Pelo substitutivo aprovado, as operações com combustíveis sujeitas ao regime de substituição tributária terão as alíquotas do imposto específicas por unidade de medida adotada, definidas pelas unidades da federação para cada produto. O texto ainda precisa ser apreciado pelo Senado Federal.
As alíquotas específicas serão fixadas anualmente e vigorarão por 12 meses a partir da data de sua publicação. Ou seja, haverá mudança do sistema ad valorem (flutuante conforme preço) para o ad rem (fixo, independente do preço). A arrecadação não poderá exceder, em reais por litro, o valor da média dos preços ao consumidor final usualmente praticados no mercado, considerado ao longo dos dois exercícios imediatamente anteriores.
Como exemplo, os preços médios de setembro da gasolina comum, do etanol hidratado e do óleo diesel corresponderam, respectivamente, a R$ 6,078, R$ 4,698 e R$ 4,728, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Na forma do substitutivo, a alíquota seria calculada com base na média dos preços praticados de janeiro de 2019 a dezembro de 2020. Nesse período, os preços de revenda variaram de R$ 4,268 a R$ 4,483, no caso da gasolina comum; de R$ 2,812 a R$ 3,179, no caso do etanol hidratado; e de R$ 3,437 a R$ 3,606, no caso do óleo diesel.
O governo Jair Bolsonaro havia encaminhado, em fevereiro, ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar tentando unificar em todo o País as alíquotas de ICMS incidentes sobre combustíveis (incluindo gasolina, diesel, biodiesel, etanol, gás natural e gás de cozinha).
O texto previa a cobrança do tributo no local de consumo final. As alíquotas poderiam variar conforme o produto e seriam definidas pelo Confaz, que reúne os secretários de Fazenda dos 26 estados e do Distrito Federal.
Mas solução aprovada pelos parlamentares não traz a alíquota única – o que reduz as resistências de governadores – embora não seja o ideal defendido pelo grupo.
Por um lado, há autonomia para os gestores disciplinarem os percentuais, em consonância com suas políticas fiscais ‒ embora com um teto a partir do PMPF de dois exercícios. Ganha-se em previsibilidade.
Por outro, perde-se a flutuação com os preços (e eventuais ganhos de arrecadação em caso de alta no mercado internacional ou do dólar).
(com Agência Câmara)