Coronavírus coloca a política latino-americana sob escrutínio

Coronavírus coloca a política latino-americana sob escrutínio

abril 19, 2020 Off Por Today Newsroom

O presidente argentino, Alberto Fernández, observa peça publicitária do governo na capa dos principais jornais do país
O presidente da Argentina, Alberto Fernández (Foto: Twitter)

por Tomas Arias *

A América Latina não está isenta da pandemia do coronavírus, e parece que a política da região também não. Com o passar dos dias, surgem debates e questionamentos principalmente sobre os custos que a política gera.

É claro que esse debate não é novo, mas frequentemente surge como um tema na agenda pública da região, principalmente com base na falta de eficácia e baixo nível de confiança que a população tem nos Poderes.

Ademais, frequentemente é feita comparação com outros países (especialmente aqueles da Europa Ocidental), onde tudo parece funcionar melhor. De alguma forma, o comentário geral que atravessa a região tem a ver com o fato de que, em termos gerais, a “política” na América Latina é cara, tem privilégios extremos e opera com baixa responsabilidade perante os cidadãos, o que geralmente está ligado a atos de corrupção.

Como responde a política de cada país à ressurgência deste debate?
Embora o debate sobre política seja mais amplo do que o que se refere estritamente à questão dos salários e dos custos que isso significa para o Estado, a verdade é que esse eixo geralmente predomina na agenda pública.

Argentina: Embora o presidente Alberto Fernández tenha negado a possibilidade de reduzir o salário de seus executivos, a verdade é que o debate teve lugar no Congresso e na Corte Suprema. Ao final foi realizado um corte de orçamento na Câmara e, na Corte, os magistrados decidiram doar 50% de seu salário do mês de março.

Já o presidente comunicou à mídia local que o pedido de corte de salários de funcionários públicos é uma expressão “populista que incentiva a anti-política”, acrescentando que acredita “na política quando é feita de forma honesta e digna. Estamos absolutamente dedicados a trabalhar com dignidade. Não temos empresas privadas, não temos contas no exterior, não dependemos do que minha família me dá, vivemos com nosso salário. Não farei isso com nenhum dos meus ministros”.

Colômbia: O presidente Iván Duque anunciou um decreto de contribuição solidária para que funcionários públicos e contratados com salários superiores a COP 10 milhões (o equivalente a cerca de R$ 13,4 mil) contribuam por quatro meses para ajudar a classe média e trabalhadores informais em meio à emergência do coronavírus.

Chile: Embora no caso chileno não se esperem mudanças nos salários dos políticos, vale lembrar que em novembro de 2019 o Congresso chileno reduziu em 50% o salário das autoridades governamentais e parlamentares. No entanto, também é importante observar que, no estudo realizado por CADEM no dia 3 de abril, 95% dos entrevistados indicaram que são a favor de baixar o salário para as principais autoridades políticas do Congresso e do Governo.

Peru: Os partidos Acción Popular e a Unión por el Perú propuseram que o salário de altos funcionários do estado, incluindo membros do Parlamento, fosse reduzido enquanto durar a emergência nacional do coronavírus. Em resposta a essa proposta, o presidente Manuel Vizcarra afirmou que serão bem-vindas as iniciativas de redução voluntária dos salários no Estado.

México: O presidente Andrés Manuel López Obrador anunciou que os salários dos altos funcionários públicos serão reduzidos e os bônus serão removidos de toda a sua pasta ministerial, dos vice-diretores ao seu próprio bônus.

Outras formas de responder ao debate da política
Como mencionado anteriormente, embora o debate econômico predomine, existem múltiplos eixos que fazem o questionamento da política. Nesse sentido, observam-se dois tipos de respostas presidenciais a duas variáveis nas críticas à política: falta de transparência e a falta de controle sobre a legitimidade dos governantes.

Quanto à falta de transparência, o debate foi posto no holofote após denúncia que o Ministério do Desenvolvimento Social havia feito compras milionárias de alimentos com preços excessivos. O Governo de Alberto Fernández deu uma resposta imediata condenando o fato, abrindo uma investigação sobre a denúncia e prosseguindo com a demissão de 15 funcionários ligados ao fato, além de ressaltar a importância de que essa informação seja acessível ao público. As ações do presidente foram bem vistas e consolidaram a imagem de comprometimento com a transparência.

Quanto à legitimidade do mandato presidencial, observa-se o que aconteceu no México, onde o Andrés Manuel López Obrador foi fortemente questionado por suas fracas ações contra o coronavírus. O presidente pediu para antecipar referendo sobre a revogação de seu mandato de 2022 a 2021, que, de alguma forma, também parece ser um gesto que dá à população a oportunidade de reforçar ou não seu voto na presidência.

Vale ressaltar que o referendo de revogação de mandato no México se refere ao procedimento pelo qual os cidadãos podem remover um funcionário eleito de seu cargo público, antes do final de seu respectivo mandato, por voto direto ou por coleta de assinaturas.

Considerações para o futuro
Sempre que a política em si e sua eficácia são questionadas, ressurge a anti-política, um movimento que teve (e ainda tem) presença nos países da região.

Nesse sentido, o coronavírus como uma pandemia pode ser uma oportunidade para exigir políticas em geral e ações do governo em particular, baseadas em um bom gerenciamento, que possa fornecer as respostas necessárias para proteger seus cidadãos. A situação atual é vista como um bom momento para avançar em direção a um Estado melhor, com maior capacidade de resposta e com operação transparente.

Mas também é verdade que a má administração da pandemia pode contribuir diretamente para a deterioração da imagem da política e novos cenários se a classe política for desacreditada e criticada por sua própria sociedade.

* Tomas Arias é analista político para América Latina pela XP Investimentos

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