A questão da liquidez e outros dilemas

A questão da liquidez e outros dilemas

setembro 24, 2020 Off Por Today Newsroom

Nada como a realidade e a prática para nos ensinar (ou relembrar) boas lições, não é mesmo? Por isso, vou me utilizar de um relato pessoal bem recente – na verdade, ainda me encontro em meio a isso – para deixar para vocês alguns comentários que podem ser úteis nas suas respectivas vidas.

Na semana passada, surgiu para mim uma oportunidade fora do radar, mas que me agradou muito, de comprar um imóvel.

Há cerca de um ano, me mudei de Porto Alegre para um apartamento alugado em São Paulo. Em meio a esta quarentena e rotina de home office, estava louca para customizar o meu novo lar. Então, resolvi que compraria o imóvel.

Minha vontade de comprar o apartamento foi seguida pela do meu “namorido” e atual “colega de trabalho em casa”, que está tendo de trabalhar na sala para gentilmente me ceder o único local disponível para montar um escritório no atual apartamento alugado.

Além da conjuntura pandêmica de home office, que nos trouxe novas necessidades, a decisão da compra do imóvel também foi motivada pela conjuntura de juros, uma vez que a Selic no patamar mais baixo da história do Brasil tornou bem atrativa a taxa de juros no financiamento imobiliário, em minha opinião.

Ou seja, foi a cereja do bolo que tornou o cenário todo muito favorável para a nossa decisão pela aquisição.

Acontece que, mesmo financiando boa parte do imóvel, é necessário dar uma entrada para adquirir um apartamento. E foi aí que eu parti para a revisão das minhas finanças, investimentos e possibilidades para pagar a tal da entrada.

Para além da famosa reserva de emergência e da minha parcela em ações – das quais eu sofro demais para me desfazer, pois as encaro verdadeiramente como um patrimônio de longo prazo –, constatei que eu tinha uma parte do meu patrimônio em debêntures com vencimento em 2022.

E foi aí que eu me lembrei: o mercado secundário para venda de debêntures no Brasil carece muito da transparência e agilidade que encontramos na Bolsa de Valores.

É muito provável que, para eu conseguir vender a debênture, tenha de encarar uma boa desvalorização no seu preço para arrumar um comprador.

E, como o mercado não é completamente transparente, ao contrário do que ocorre em um home broker, fico à mercê do banco para fazer essa intermediação, o que talvez aumente o spread que vou sofrer para conseguir vender, junto à reduzida liquidez do instrumento quando comparado a outras opções.

Diante dessa situação, reavaliei as possibilidades e, graças a uma excelente diversificação nos meus investimentos, conseguirei dar a entrada no apartamento utilizando outra parte da minha carteira, que provavelmente será um fundo de crédito privado com prazo de resgate curto.

O ocorrido todo, no entanto, me relembrou de alguns pontos que achei muito importantes de compartilhar, e muitos outros me foram relembrados pelos comentários que recebi sobre o tema na minha postagem no Twitter, vindos da Fintwit – apelido carinhoso para a comunidade de nerds das finanças no Twitter, da qual eu sou uma participante bem engajada.

Primeiro ponto: precisamos prestar atenção na nossa carteira para ver se temos de fato liquidez para emergências (boas e ruins). É natural que, ao tentarmos aumentar a rentabilidade da nossa carteira de investimentos, tenhamos que alongar os prazos. Investir em ações – minha área de especialidade –, inclusive, deve ser feito, em minha opinião, somente com aquele dinheiro que você não tenha uma data específica para usar, mirando o longo prazo, apesar de ser um instrumento que tem liquidez quase que imediata: se você investe em ações com boa liquidez, consegue vender com facilidade, e o dinheiro cai na sua conta em dois dias.

O mesmo não acontece com uma série de fundos de ações, cujo prazo de resgate chega a 90 dias ou mais. Em fundos multimercados, alguns prazos de resgate também são bem dilatados, então preste atenção neles ao decidir pelo investimento.

Além dos inúmeros relatos que recebi no Twitter de quem se viu preso em um título de renda fixa, seja em uma debênture, seja em um CDB de prazo mais longo, também fui lembrada de que muitos COEs, que ficaram tão populares nos últimos anos, também têm prazos longos.

Minha dica aqui é: hoje em dia, conforme a Selic cai e migramos nossos recursos para investimentos de mais longo prazo, é importante que em algum momento você pare e veja o conjunto da obra.

Alguns títulos de renda fixa podem ter prazos mais longos, alguns COEs da sua carteira também, assim como outros fundos multimercados e de ações.

Portanto, para além da sua reserva de emergência, que em geral fica em torno de seis a 12 vezes suas contas mensais, pense também como está a sua liquidez para emergências boas, como a possível necessidade de ter um valor para dar entrada em um apartamento, como foi o meu caso, ou mesmo para alguma emergência ruim, que requeira mais dinheiro do que seis vezes seus custos mensais de sobrevivência.

É importante avaliar seu portfólio para verificar se você não está com uma liquidez muito reduzida, ou seja, com dinheiro “preso” caso você necessite ter disponíveis os recursos em sua conta corrente em poucos dias.

Olhe o conjunto da obra e verifique se entre fundos de investimento, títulos de dívida e COEs que você investiu nos últimos tempos, você não está com uma liquidez reduzida para um saque de curto prazo.

O segundo ponto é batido, mas sempre útil de ser relembrado: a importância da diversificação. Eu, mais uma vez, fui salva pela diversificação da minha carteira.

Não querendo tomar um spread muito grande para resgatar com antecedência as minhas debêntures – e, menos ainda, minhas queridas ações –, tampouco colocar a mão na reserva de emergência, pude recorrer a um fundo de investimento de crédito privado com resgate em um dia útil (D+1) para dar a entrada no apartamento.

Caso ele não existisse, poderia ainda vender as ações, mas, lembrando que, ao vender com lucro mais de R$ 20 mil por mês, teria que aceitar a mordida do Leão e pagar Imposto de Renda de 15% sobre o meu ganho.

O terceiro ponto é uma pergunta: por que nosso mercado secundário de debêntures não está mais desenvolvido?

Eu realmente gostaria de poder contar com um sistema como o que é usado hoje em dia para negociar ações, com alta liquidez e transparência, para poder comprar e vender títulos de renda fixa quando eu bem quisesse, com todas as informações ao alcance dos meus dedos no teclado.

O quarto ponto é uma dica para você observar, que pode dar jogo para seus investimentos: eu estou considerando que essa taxa de juros de financiamento está atrativa para adquirir imóveis, e isso pode ter um impacto muito interessante em alguns ativos de renda variável, como as construtoras ou as empresas que se beneficiam da cadeia da construção civil agitada, como aquelas empresas que vendem acabamento de material para construção (minha preferência).

Além disso, se você, assim como eu, ainda paga aluguel, quem sabe não pode ser uma boa ideia começar a avaliar outras opções? Lembrando que o IGP-M, o índice que reajusta os aluguéis, está nas alturas, com alta de 18% acumulada em 12 meses.

Espero ter contribuído para que você construa uma carteira de investimentos ainda mais equilibrada e saudável, não olhando apenas para a questão do retorno e risco, mas também para a disponibilidade de seus recursos, para que você os utilize quando precisar.

Afinal, é para isto que investimos: para realizar sonhos ou resolver necessidades que surgirem no caminho.

Se você quiser, me mande seu comentário e me conte suas experiências com debêntures, ações ou investimentos em geral para que eu possa te ajudar ainda mais nos próximos textos.

Um abraço,

Cris Fensterseifer

waiting...