“É ótimo se preocupar com sustentabilidade pelas razões óbvias, mas também é um bom negócio”, diz CEO da Raízen

“É ótimo se preocupar com sustentabilidade pelas razões óbvias, mas também é um bom negócio”, diz CEO da Raízen

setembro 22, 2020 Off Por Today Newsroom

Ricardo Mussa, CEO da Raízen (divulgação)
Ricardo Mussa, CEO da Raízen (divulgação)

SÃO PAULO — “Eu nunca tinha visto como estou vendo agora a demanda dos nossos clientes genuinamente pagando prêmio por produtos mais sustentáveis”. A afirmação é de Ricardo Mussa, CEO da Raízen, empresa integrada de energia que está entre os maiores grupos empresariais privados do Brasil.

Em entrevista ao InfoMoney, Mussa disse que a maior importância dos consumidores às questões de ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa, na sigla em inglês) é algo que veio para ficar — e que pode ser um bom negócio para a companhia, que produz etanol, açúcar, distribui combustíveis e gera energia.

O executivo falou ainda sobre a isenção de imposto dada pelo governo brasileiro à importação de etanol de milho dos Estados Unidos, a falta de uma política mais atuante em gerar acordos bilaterais que beneficiem o agronegócio brasileiro, como a Raízen foi afetada pela pandemia de coronavírus e quais as expectativas de retomada, além de aquisições e IPO.

Veja abaixo os melhores trechos da entrevista.

Figo — Como a operação da Raízen foi atingida pela pandemia de coronavírus e o que a empresa fez para lidar com isso?

Mussa — A safra começou bem animada, foi no meio da pandemia. A gente ficou muito preocupado principalmente com a questão operacional. Como a gente tem muita gente na Raízen, mais de 30 mil funcionários, a gente tinha muita preocupação se a questão do coronavírus iria impactar nossas operações.

A gente acabou afastando muita gente do grupo de risco, fizemos muitos testes dentro da companhia e felizmente a gente não teve até agora nenhum impacto. Quer dizer, impacto sempre tem, mas nada que fosse muito relevante para a operação. A pandemia começou muito em São Paulo, e nossa operação é mais no interior. A gente é muito grande também em vários lugares do Brasil.

A gente opera em 70 terminais, tem operação na Argentina, então obviamente que fomos impactados, mas de uma forma melhor do que a gente imaginava. Não sei se uma das razões [para isso] é porque a Raízen tem uma média de idade [dos colaboradores] baixa. Então, a gente não teve grandes consequências do coronavírus na operação.

— Mas a queda brusca da economia não é reflexo da menor demanda?

A segunda preocupação no nosso negócio era a retomada da economia. A gente sofreu muito no início [da pandemia] com dois grandes fatores. Um é o volume, porque o volume de [consumo de] combustíveis caiu muito. E também sofremos com preço, porque ele num primeiro momento teve uma forte baixa.

Por outro lado, na questão de preço, a desvalorização cambial ajudou bastante. Como a gente é uma empresa exportadora, a desvalorização cambial nos ajuda muito. Ou seja, a gente conseguiu que os preços em reais ficassem relativamente saudáveis mesmo com a crise.

Outro ponto que beneficiou a gente é que o mercado de açúcar é um mercado mais resiliente. O consumo não caiu. Se caiu, caiu muito pouco, diferentemente de combustível, que no começo da crise caiu bastante. O mercado de açúcar é um mercado que sustentou mais, tanto preço quanto volume.

E a recuperação da economia veio mais rápido do que a gente imaginava. A gente imaginava que fosse vir uma recuperação mais gradual. Ainda não é uma recuperação a full, mas é uma recuperação que, em relação ao que a gente tinha de visão lá em março e no comecinho de abril, é um cenário melhor do que a gente tinha originalmente imaginado.

— O cenário continua desafiador?

Então, depende muito do ponto de vista. Em relação ao ano anterior, ainda é um ano desafiador, mas em relação ao cenário que nós tínhamos originalmente, a recuperação foi mais rápida e mais sólida do que a gente tinha imaginado. Dentro dessa crise toda, o nosso negócio está muito bem posicionado.

Eu vejo outros setores muito mais afetados. A gente passou com caixa forte, com uma situação financeira muito saudável. E agora também a operação está indo bem. O ano está com clima bom, indicando uma recuperação boa agora nesse segundo trimestre [para o setor, o primeiro trimestre é de abril a junho e o segundo de julho a setembro].

Num cenário como esse, nós tivemos um trabalho de corte de custos enorme, mas não precisamos mexer em quadro [de funcionários]. O mindset de crise facilita a gente ter maior controle de custos e as pessoas ficam mais sensíveis.

O nosso negócio estava crescendo. Estamos com expectativa de manter viés de alta no nosso negócio, que é mais resiliente. Muita exportação de etanol, açúcar, energia elétrica. Mesmo com a queda nos combustíveis. O business mais afetado mesmo foi o de aviação. É um business grande, mas não tão importante no big picture da companhia.

— A Raízen tem a intenção de fazer toda a cadeia do mercado de açúcar até chegar ao consumidor final?

Sim, essa é a nossa intenção. No mercado de etanol, por exemplo, sempre estivemos em todos os elos da cadeia, o que não acontece ainda com o açúcar. Temos a intenção de ir mais para o destino, atender o cliente final, fazer a logística, agregar valor ao cliente e assim por diante.

Uma coisa que vem acontecendo agora, no mercado de açúcar também, é que essas questões de sustentabilidade tomaram um corpo enorme. No mercado de açúcar, a gente tem um negócio que se chama certificação bonsucro — é uma certificação das nossas usinas e de toda a cadeia de que ela é sustentável. Temos a maior certificação de bonsucro do mundo. Sempre tivemos e não fazia tanta diferença, mas neste ano o prêmio que estamos alcançando por termos essa certificação tem sido muito maior. Algo que a gente jamais tinha visto.

— A pandemia colaborou para aumentar a preocupação da sociedade com a sustentabilidade?

O que a pandemia está fazendo em todos os mercados, como alimentos e energia, é dar uma importância maior [às questões sustentáveis das operações das empresas]. Então, parte também do nosso conforto durante essa crise é que a gente vê muito mais interesse nas questões de ESG [Governança Ambiental, Social e Corporativa, na sigla em inglês].

Lá no passado, em 2008, houve um boom de preocupação sustentável no mercado de etanol no mundo, mas dessa vez é diferente. Naquele momento, o cenário era de preço alto de petróleo, eu me lembro que o [ex-presidente dos EUA, George W.] Bush dizia ‘US is addicted to oil’ [os EUA são viciados em petróleo]. Mas neste momento agora é a sociedade pedindo.

Eu nunca tinha visto como estou vendo agora a demanda dos nossos clientes genuinamente pagando prêmio por produtos mais sustentáveis. Se tem uma grande shift [mudança] desse mercado, que eu acho que veio para ficar, é essa questão da sustentabilidade. E isso para todos os mercados. O pessoal costuma ligar muito à energia renovável, mas no mercado de açúcar é a mesma coisa.

— E como está a sustentabilidade brasileira nos setores em que a Raízen atua em comparação com os outros mercados?

No mercado de açúcar mundial a gente compete com outros países que têm padrões diferentes. O Brasil é o país que tem mais quantidade de reserva legal. Toda a nossa área é certificada que não é área de desmatamento, não fazemos queima da cana etc. Quando você pega competidores como Tailândia e Índia, eles não conseguem oferecer esse tipo de padrão. Claro que dentro do Brasil tem empresas que são mais responsáveis do que outras.

Temos o etanol de segunda geração, o biogás. Tudo isso conta, inclusive, para aumentar a qualidade do nosso mercado de açúcar. Quando você tem um subproduto do açúcar, por exemplo o bagaço, que você consegue transformá-lo em etanol. Ou a vinhaça que você faz o biogás. Isso faz com que o seu açúcar seja mais sustentável. É uma cadeia completa. Por isso eu digo que eu estou sentindo agora, de verdade, diferente lá de 2008, é que o mercado está se movendo [para ampliar sua sustentabilidade] e tem prêmio na mesa.

É bom se preocupar com sustentabilidade pelas razões óbvias, é bom para o meio-ambiente e para a sociedade, mas também é um bom negócio. Além de ser bom para a sociedade, também é bom para a empresa porque isso se reverte em preços melhores, em clientes mais fiéis e assim por diante. A gente se considera um dos líderes desse movimento [de ESG], então é muito bom essa mudança [de pensamento] da sociedade.

— Como a Raízen vê a isenção dada pelo governo brasileiro para a importação de etanol dos Estados Unidos?

Essa é uma briga antiga. Hoje, os Estados Unidos são importadores de açúcar. É um país que precisa importar açúcar de cana e ele privilegia, nesse mercado, o México em relação ao Brasil. Nessa história, o governo brasileiro faria muito bem em pedir uma contrapartida.

A gente sempre defende na Raízen o livre mercado e tudo mais, mas essa é uma relação muito unilateral. Os Estados Unidos têm um imposto de importação de 140% sobre o nosso açúcar e a gente tem cota [isenção] para importação do etanol deles, sendo que sem a cota o imposto seria de 20%.

Eu acho que o governo brasileiro precisa sim se posicionar muito bem. O Brasil ao longo dos anos não tem feito, na minha opinião pessoal, um bom trabalho de acordos bilaterais. Se você olhar hoje, a gente tem pouquíssimos acordos bilaterais. Temos o Mercosul apenas. A gente vai lá vender nosso açúcar e etanol na Ásia, na Tailândia, na Indonésia, Malásia, e perdemos para competidores com produtos de qualidade inferior aos nossos. O etanol de milho americano é menos sustentável que o etanol de cana brasileiro.

— Você acha que tem faltado empenho do governo brasileiro em conseguir acordos bilaterais melhores para a nossa indústria?

O governo brasileiro e a ministra [da agricultura] Tereza Cristina, ao mesmo tempo que tem feito um trabalho muito bom, eu nunca tinha visto uma ministra tão atuante, ainda não logrou, a gente ainda não conseguiu bons acordos. Nesse caso do etanol [dos EUA], é uma questão clara aqui de a gente pedir. Eles precisam abrir também o mercado de açúcar para o Brasil para a gente também justificar dar algum tipo de benefício ao etanol de milho americano.

Essa cota [de isenção de imposto na importação do etanol americano no Brasil e que foi renovada neste mês] tomara que isso não tenha sido um movimento político por causa das eleições nos Estados Unidos, com o Trump tentando a reeleição. O que a gente acredita é que é um movimento sim do Itamaraty de tentar com isso conseguir um bom acordo para o nosso açúcar. Se isso for viável, é bom para o setor. Agora, o que não pode acontecer é renovar indefinidamente esse tipo de cota sem ter uma contrapartida para o nosso setor aqui.

Não tem necessidade de o governo americano taxar em 140% o açúcar brasileiro. Por que ele dá algum privilégio para os mexicanos e não dá para os brasileiros se a gente está dando para eles um benefício na importação do etanol? É uma conversa que tem que ser feita do ponto de vista de país e não de ajudar um governo, ajudar um outro governo.

— Por que, na sua opinião, a gente ainda tem esse tipo de situação onde o produto brasileiro é melhor, mas menos competitivo internacionalmente?

Minha opinião pessoal é que o Brasil está muito, mas muito à frente de outros países em questões de sustentabilidade. Somos um dos poucos países no mundo que tem a obrigação de reserva legal na sua propriedade rural. Outros países não têm. Você pega um produtor do meio-oeste americano de milho, ele não tem que proteger um hectare da terra dele. Aqui, o produtor de cana de São Paulo tem que proteger 20% da sua área. Não pode produzir.

Isso tem que ser explorado do ponto de vista diplomático, essa qualidade do nosso produto do ponto de vista ambiental. O que a gente faz em relação ao meio-ambiente é muito maior do que outros lugares. Mas eu acho que a gente fala pouco [sobre isso]. A gente tem pouco orgulho. A gente sempre entra nas conversas devendo, por exemplo, porque a gente está queimando a Amazônia.

— É preciso educar o consumidor estrangeiro sobre nossos produtos?

A gente tinha que entrar nas conversas questionando: por que que você, Estados Unidos, não protegem 20% da sua área? Por que que você na Europa, na Holanda, na Inglaterra, onde quer que seja, não protege? Por que que só eu tenho que fazer esse trabalho? Reconheça esse nosso trabalho. A imagem do Brasil lá fora é distorcida, na minha visão, que conheço bem do agronegócio. Se o consumidor lá fora entendesse que o produto brasileiro é muito mais sustentável do que o produto de outros grandes países, a gente deveria ter um prêmio maior.

Isso sim poderia facilitar esses acordos bilaterais. Eu acho que foi falta de foco de governos anteriores. Na minha opinião, a gente deveria focar muito agora no mercado da Ásia, que é um mercado muito forte e consumidor dos produtos brasileiros, para fazer acordos bilaterais nesta região. Somos importadores deles para outras matérias-primas.

É preciso organizar missões de membros do governo e do setor para os países em questão. Leva tempo, depende de negociações e conversas, mas aí está um bom destravamento de valor para o nosso setor. Falando de novo de etanol e cana-de-açúcar, a gente tem um custo de produção muito menor do que qualquer outro país do mundo. Eles só conseguem sobreviver porque eles têm vantagens comerciais que a gente não tem.

— Qual a expectativa de retomada do business de aviação e como você vê o parecer do Cade sobre as distribuidoras, entre elas a Raízen, estarem supostamente impedindo a entrada de outros players no pool de distribuição de combustível no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo?

Sobre a retomada do business de aviação, ela será bem lenta. Primeiro porque as pessoas deixaram de viajar, elas estão impedidas de entrar em vários destinos. A parte hoteleira ficou bastante tempo fechada. A parte de viagens de negócios também acabou diminuindo porque tem países fechados e as pessoas estão trabalhando pela internet. Isso vai recuperar de uma forma bem mais lenta.

É um segmento que já vem recuperando. Maio foi melhor que abril, junho foi melhor que maio, julho foi melhor que junho e assim por diante. Segue em retomada, mas aviação eu acredito que vai ser o último setor a retomar o que era antes. Tem que sair a vacina. Tem que ver se as pessoas vão estar dispostas a viajar, será que elas vão viajar mais do que nunca depois disso ou vão ficar mais temerosas? É muito cedo ainda para dizer qual é o efeito final [da pandemia no setor aéreo].

Sobre o parecer do Cade, ainda não é nada definitivo, é uma opinião apenas. Tem todo um trâmite de julgamento que vai para um tribunal. Ainda temos muito pouco para comentar sobre isso. Muita água vai rolar nessa discussão toda e a gente acha que a gente está muito bem paramentado de argumentos para entrar nessa discussão.

— E as aquisições, em que pé estão? Tem a Biosev e a Repar, por exemplo, vão sair?

Devido ao nosso tamanho, a gente está olhando várias coisas. Numa crise sempre aparecem muitas oportunidades. Uma empresa muito sólida financeiramente como a nossa pode olhar, mas temos muita disciplina de capital. Estamos olhando com muito carinho todas as opções, sejam elas no mercado de açúcar e etanol ou outro. É importante dizer que agora não tem nada importante definido, tem muitas conversas não só com essas mas com outras empresas também. A gente está olhando.

O que eu posso falar é o seguinte: a gente tem muita disciplina e só vai fazer negócio se houver um fit estratégico para a companhia, um valor correto para a companhia para fazer esse investimento e o timing correto. Em refinarias, por exemplo, a gente tem tanta presença nesse mercado que não faz sentido não participar desse tipo de discussão. Mas é estratégico para a empresa [fazer aquisições nessa área]? Não, não é.

No mercado de açúcar e etanol, a gente tem já um tamanho muito grande nesse mercado, a gente vê oportunidade de criação de valor, mas desde que seja no valor correto e mais do que isso: que tenha um fit da parte comercial. Eu sou muito mais fã de você ter escala na parte comercial para ir atacar alguns mercados na parte de destino do que ter uma super escala na parte de produção. Isso é um pouco da mensagem. Somos muito cautelosos com esses deals que olhamos por aí e temos que ser muito cirúrgicos para fazer as operações.

A Raízen não quer ser vista como uma grande consolidadora. Agora, é um cenário bastante atípico, você tem muita oportunidade no mercado e estamos olhando todas elas. E não são só essas que você citou. Mas não temos nada concreto agora, nada vinculante.

— E o IPO?

A principal razão que a empresa faz o IPO geralmente é estrutura de capital. A nossa vantagem é que a gente tem sócios capitalizados, são sócios que olham o longo prazo, nunca é natural nesse caso uma conversa sobre fazer o IPO da companhia. O sócio olha e fala: por que eu vou vender meu pedaço dela? A gente como management olha para isso e acha que é sempre bom você ter mais uma ferramenta de mercado de capitais, mas ela não é a única.

Sendo o CEO da companhia, eu sempre gosto de ter mais opções para acessar o mercado de capitais, seja o mercado de dívida, seja injeção de capital dos sócios, seja IPO, enfim. Eu como gestor adoraria ter mais opções na mesa, mas isso é uma discussão mais de acionistas do que do management.

Isso é muito bom, o difícil é ser ao contrário, quando você tem acionistas que querem sair do negócio. No nosso caso, estamos numa situação muito confortável porque temos acionistas que gostam do nosso negócio, olham para ele pensando no longo prazo e querem fazer ele crescer. Para Raízen seria uma decisão não por necessidade, mas sim por uma opção ou vontade de acionistas.

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