Direitos de TV e a negociação da competição: onde não há monopólio
setembro 20, 2020Nesta semana tivemos mais evoluções – ou ao menos mais barulho – sobre o tema da MP do Mandante, que altera a forma de negociação dos direitos de TV de um clube de futebol. Vamos tentar tratar do tema sem viés nem flâmula pendurada na parede.
Tivemos o início das transmissões da Copa Libertadores pelo SBT na TV aberta. Celebrada como “o fim do monopólio”, a transmissão é ótima para a indústria do futebol. Mais players disputando as mesmas competições significa tendência de aumento de valores dos ativos, ou seja, as competições.
Antes de dar sequência, um parêntese: enquanto discutimos direitos de TV dos clubes, ignoramos o que é mais importante: a competição.
Não é à toa que a NBA é a NBA. O Los Angeles Lakers, o Miami Heat e o Boston Celtics são clubes da liga, reconhecidos por jogarem a NBA. Ninguém joga sozinho.
Assim como falamos sempre em Premier League, LaLiga, Serie A, Bundesliga, e falamos menos em Ligue 1. É por acaso? Não. Porque as quatro grandes ligas são produtos fortes disputados por equipes fortes. E elas são fortes porque fazem parte de ligas estruturadas, que também são marcas fortes.
Enquanto isso, a Ligue 1 francesa é o local onde o PSG de Neymar e Mbappé disputam seu campeonato à espera das rodadas da Uefa Champions League (UCL). Apesar de sua evolução (e a boa participação do Lyon na última UCL ajuda nisso), a marca do Campeonato Francês ainda está no caminho para atingir o mesmo grau de destaque das demais ligas. Em algum tempo, falaremos mais da Ligue 1 e menos “do Campeonato Francês”.
Voltando à Libertadores no SBT: além de não ser novidade, pois o mesmo SBT transmitiu com sucesso de audiência a Copa do Brasil entre 1995 e 1998, a transmissão em si não tem nada de moderno, nem quebra monopólios. O discurso é somente a tentativa de criar um fato.
A Copa Libertadores é organizada pela Conmebol, que vende pacotes de transmissão através de leilões feito por seus parceiros comerciais, como acontece nas ligas europeias e americanas. As partidas são “fatiadas” e distribuídas entre TV aberta, fechada e streaming, a depender do país.
No Brasil, a fatia de TV aberta é do Facebook e do SBT, que ocupou o espaço da Globo com a rescisão contratual proposta pela emissora carioca. Diga-se, Conmebol faz excelente trabalho ao adotar modelos bastante alinhados com quem vende as competições e não os clubes.
Ou seja, ninguém quebrou monopólio. Primeiro porque não havia – a TV aberta já tinha transmissões no Facebook – e, segundo, porque os pacotes são leiloados. Se nenhuma outra emissora via valor antes, coube à Globo fazer a melhor oferta e levar os jogos. Se tivesse ofertado menos, já teria perdido anteriormente. Não se quebra monopólio onde ele não existe.
Há também a parte de transmissões via TV paga, que era do SporTV e foi rescindida junto com a de TV aberta. Ofertada ao mercado, não houve interessados em pagar o valor que a Globo pagava. Resultado: essa fatia virou um canal de pay-per-view na TV paga. Se alguém acha que isso é inovação, modernidade e quebra do monopólio, novamente tenho uma notícia desanimadora: não é.
Na Europa, já é assim há anos. Inclusive não há nem mesmo o famoso fim dos intermediários, visto que a “liga” vendeu os direitos e tem que compartilhá-los com a Band (transmissora) e as TVs pagas (Sky e Claro, por enquanto). Esse pacote também havia sido ofertado antes no leilão, e qualquer interessado poderia adquiri-lo pagando mais.
Sim, pagando mais.
O futebol está atrás de dinheiro e, especialmente nessas competições organizadas para serem valorizadas como competições, a lógica é a do maior valor, negociação da competição e não individual.
O torcedor, que tinha jogos apenas pelo valor do pacote mensal de TV paga, agora tem que pagar módicos R$ 39,90 mensais para ver uma parte da Libertadores. Sim, uma parte, porque outra está com a Fox Sports.
Nesta última semana, também vimos uma propaganda dos clubes que defendem a MP do Mandante comparando a venda de direitos do Brasileirão, da Premier League e da NFL. Eles tentaram, num passe de mágica, comparar incomparáveis.
Se é fato que no Brasileiro temos apenas dois canais de transmissão, também é fato que os modelos são diferentes, inclusive em relação aos que os defensores da MP do Mandante pregam.
Não há negociação individual e dos mandantes na NFL e na Premier League, e sim negociação da competição. Pacote, marca, negócio, indústria. Ninguém vende o New England Patriots ou o Liverpool, mas a NFL e a Premier League, as competições que esses clubes disputam.
E aqui, para o bem do bom debate, reafirmo o que defendo: o modelo híbrido (mandante + acordo entre os clubes) é único no mundo e ruim. Ele gera ineficiência, reduz valores e dificulta o desenvolvimento de produto.
Depois de décadas vendo como as grandes ligas americanas e europeias negociam seus direitos de TV, não faz sentido seguir com um modelo que apresenta mais travas que possibilidades.
Mas, convenhamos, no modelo proposto pela MP do Mandante também não se consegue o resultado mais eficiente enquanto indústria. E o exemplo vem justamente dos apoios dos clubes da Série A do Brasilerão.
No lançamento da campanha em defesa da MP, havia quatro clubes que não aderiram a ela. Nesta semana, vimos outros três deixarem o grupo. Esse movimento alvo de críticas, inclusive com a acusação de que o abandono poderia ter relação com possíveis luvas, citação de naming rights ou adiantamentos. Mas a verdade é que os clubes apenas e tão somente usaram justamente a ideia original da MP: cada um defende seu bolso.
Farinha pouca, meu pirão primeiro.
No final, todos estão atrás justamente é do dinheiro. Alguns supondo que receberão mais no longo prazo, enquanto outros querem ver o dinheiro hoje.
Aliás, o tema do clube-empresa, assim como uma melhor estruturação das relações trabalhistas e sanções a dirigentes que cometem gestão temerária estão na Lei Geral do Esporte, há alguns anos no Congresso, e que contém o modelo de venda de direitos previstos na MP do Mandante.
Mas, estranhamente, a MP trouxe apenas a questão do mandante, deixando de lado evoluções importantes para a indústria, que possivelmente em conjunto seriam capazes de ajudar no seu crescimento.
E, é claro, os dirigentes não querem alterar a questão trabalhista, nem falar sobre clube-empresa e muito menos propor sanções a quem gere mal os clubes.
Voltando ao tema da concorrência, nos últimos dias vimos movimentos bem interessantes em direção ao esporte de outras emissoras além do SBT. O principal foi o retorno forte da Band, com a volta do Show do Esporte aos domingos, transmissões de campeonatos (o Russo, a Serie A italiana e a Bundesliga alemã) e a chegada da plataforma OneFootball transmitindo a Bundesliga em streaming (ficou com o pacote da TV paga, que era da Disney).
Com isso, das cinco principais ligas europeias, quatro terão partidas transmitidas no país, exceto a Ligue 1. Com Neymar, Mbappé e tudo mais.
Ou seja, enquanto se fala tanto em streaming, o que dominou a cena do futebol durante a semana foi a TV aberta, que no Brasil alcança 96% das residências, número que equivale a 69 milhões de casas. E a surpresa OneFootball, num pacote fechado.
Num momento em que se fala de revolução, disruptura, quebra de monopólios, a verdade é que o caminho é o da evolução. Visão consolidada e de competição, mais players, mais opções, mais negociações eficientes.
No Brasil, no lugar de construir uma solução organizada e eficiente, alguns clubes conseguiram apenas reforçar a ideia de uma batalha desnecessária para este momento.
Ao optarem pelo embate com o maior player desse mercado, o que se conseguiu foi uma implosão do processo, sem uma base sólida para servir de apoio nas negociações futuras, reduzindo as chances de termos negociações das competições e não individuais após 2024.
Seguiremos atrasados, mais para México do que para Alemanha.