Há cada vez mais bilionários no mundo, e um imposto não mudará isso
setembro 4, 2020Foi no verão de 1973 que o americano Jean Paul Getty tomou uma das mais controversas da sua vida, e que o tornaria ainda mais famoso. Seu neto havia sido sequestrado em Roma, na Itália, e os sequestradores pediam US$ 500 mil em resgate. Sua resposta foi simples:
“Tenho 14 netos e, se eu pagar o resgate, terei 14 crianças sequestradas para lidar”.
O caso, que terminou com o resgate do garoto de 16 anos após 5 meses, terminou quando os sequestradores enviaram pelo correio a orelha do rapaz.
O filme sobre o caso, de 2017, não poderia ter um nome mais simbólico: Todo o dinheiro do mundo.
O caso é que Getty era não apenas rico, mas MUITO rico. De fato, Jean Paul foi a primeira pessoa na história da humanidade a ultrapassar a marca de US$ 1 bilhão em patrimônio.
O primeiro bilionário da história da humanidade era praticamente um clichê: um avarento, ligado a indústria do petróleo e que coloca a racionalidade a frente da empatia pela família.
De lá pra cá, os bilionários aumentaram de número, e cada vez mais rápido. Em 2019 eles eram 2.153, das mais diversas áreas.
Apenas em 2019, o número de bilionários aumentou em mais de uma centena, com negócios como um ferro velho online, um aplicativo de educação feito por um professor indiano, ou ganhos com a venda de tênis, que fizeram o cantor Kanye West sair da “falência” para um patrimônio de US$ 1,3 bilhão em apenas 4 anos.
O que não mudou porém, é a maneira como bilionários são encarados pela sociedade.
Sua própria existência acende um debate sobre o quão desigual tem se tornado o mundo. Ainda que os dados apontem que a desigualdade esteja caindo ao redor do planeta, a camada realmente rica da população tem aumentado.
O resultado é um slogan recente levantado por candidatos do Partido Democrata nos Estados Unidos que diz “nenhum bilionário deveria existir”, além de um crescente apelo por taxaçōes maiores sobre essa elite.
O slogan recente contrasta com outro, feito no início da década, o famoso “Nós somos os 99%”, do movimento “ocuppy Wall Street” (o centro financeiro americano).
No caso passado, o debate se dava em torno do fato de que 1% dos americanos são milionários, enquanto uma boa parcela do restante vive com dificuldades e custos de vida crescentes em áreas como saúde, educação e moradia.
Mas para entender o porquê de termos saído tão rápido de uma discussão sobre milionários para outra sobre Bilionários, é preciso entender o motivo de eles estarem tão em evidência.
Afinal, porque há cada vez mais bilionários no mundo?
Desde que Bill Clinton derrubou a lei Glass-Steagal, criada nos anos 30, os bancos americanos não possuem mais restrições para concentrar áreas como Bancos comerciais e de investimentos.
O resultado foi que, desde o final dos anos 90 (contando ainda com uma desregulamentação promovida por Reagan na década de 80), o sistema financeiro americano cresceu a taxas impressionantes.
Este processo, chamado de “Financeirização”, fez o papel dos bancos na economia se tornar cada vez maior e, consequentemente, concentrar mais recursos.
Estes mesmos bancos, como você deve se recordar, estiveram no epicentro da crise de 2008 e, a despeito dos manifestos de economistas, o governo americano, e na sequência o Federal Reserve (o Banco Central americano), correram para socorrê-los.
Mas afinal, o que exatamente isso tem a ver com o aumento de bilionários?
A onda de resgate aos bancos, foi seguida por uma expressiva quantidade de dinheiro colocada na economia para “acalmar os mercados”, e consequentemente revigorar a economia.
Os resultados foram muitos, e alguns bem conhecidos. Os juros americanos, e ao redor do mundo, caíram a níveis nunca antes vistos. A economia americana entrou em pleno emprego. Até aí, você pode estar pensando que o resultado “não é tão ruim”, mas há alguns problemas.
Quando o dinheiro deixa de ter um custo, como no caso dos juros zero em que vivemos, os riscos aumentam e, consequentemente, os chamados ‘mau investimentos’ também.
Isso ocorreu no Brasil com os subsídios do BNDES, e ocorreu nos Estados Unidos com os US$ 8 trilhões injetados no sistema financeiro pelo FED.
É bastante provável que essa onda de Investimentos ruins descambe para uma nova crise mas, até lá, há um efeito curioso.
Lucro não importa mais
Com grana de sobra e podendo correr mais riscos, o mundo viu uma corrida sem precedentes de ativos “escaláveis”, aqueles que podem crescer de maneira bastante rápida.
Isso, somado ao boom dos celulares e consequentemente dos aplicativos, levou uma série de empresas a atuarem em setores tradicionais buscando desafiar as grandes.
Foi assim com as Fintechs, como o Nubank aqui no Brasil, ou com a Uber, o Rappi, a Netflix, e tantas outras empresas que se tornaram parte do nosso cotidiano.
Boa parte delas não dá lucro, e sequer tem expectativa de que venha a dar lucro.
Como isso é possível? Todas elas recebem montanhas de recursos de fundos de investimentos para operar e ganhar mercado, na esperança de que lá na frente elas sejam tão grandes que irão enfim começar a lucro.
Por trás destas startups, há uma imensidão de empreendedores que esperam criar o próximo “unicórnio”, os seja, empresas que valem US$ 1 bilhão.
Dentre as que conseguem, saem inúmeros “novos membros do clube do bilhão”.
E se startups que conseguem crescer independente de não terem lucro já formam muitos deles, o que acontece com as empresas que dão lucro e conseguem crescer? Justamente o que você deve estar pensando: crescem ainda mais.
Como o mega investidor Ray Dalio comentou uma vez, “dinheiro é lixo”, o que significa em outras palavras que a quantidade de grana no mundo é tão grande, que você precisa comprar algo que possa gerar riqueza. Ficar com dinheiro parado é certeza de prejuízo porque ele cada vez vale menos.
Tudo isso é o que se chama de “inflação de ativos”. Casas, empresas etc, ficam cada vez mais caros em uma velocidade maior do que os bens que compramos no dia a dia.
Empresas como a Amazon, Apple, Google, Facebook, que têm ganhos crescentes, tornaram-se um porto seguro para colocar este dinheiro, uma vez que os juros pagos pelo governo são próximos de zero, ou negativos.
Onde está a fortuna dos bilionários?
Antes de entender como corrigir essa questão, é importante entender como um bilionário se forma.
Vamos usar como exemplo Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, com US$ 200 bilhões de patrimônio.
Jeff fundou sua empresa em 1994, uma loja pra vender livros online, e por 20 anos utilizou todos os recursos gerados na empresa para reinvestir na Amazon, fazendo ela se tornar cada vez maior.
Até o início da década a empresa praticamente não dava lucro, mas “gerava caixa”, ou seja, ela criava recursos para crescer.
Isso faz com que os investidores paguem não pelo que a empresa lucra e distribui. Na bolsa, onde as ações da Amazon são negociadas diariamente, investidores atribuem um múltiplo para a empresa.
Como a Amazon reinveste para crescer, e tem taxas de crescimento elevada, investidores pagam até 140 vezes o seu lucro atual, na esperança de que em alguns anos, a empresa lucre e consiga distribuir bons resultados.
Com tamanha montanha de recursos criada pelos bancos centrais, os investidores esticaram os múltiplos, inflando o valor das empresas e o tal “patrimônio dos bilionários”.
Determinar o patrimônio a ser taxado é um desafio e tanto, mas este não é o único motivo pelo qual o Imposto de Grandes Fortunas tem sido abandonado no mundo.
Como o resto do mundo taxa os mais ricos?
Até os anos 90, o imposto sobre patrimônio, ou grandes fortunas, era bastante comum. Segundo a OCDE, 12 países aplicavam o imposto.
No ano de 2017, porém, apenas 4 ainda cobravam este tipo de imposto.
O motivo para isso é uma questão de retorno. Ricos possuem mais incentivos para escapar de impostos, contratando bons contadores e criando empresas em locais mais amistosos.
Na França, que remodelou seu imposto em 2018, a estimativa é de que US$ 220 bilhões tenham saído do país, dando ao tributo o apelido de “imposto inglês”, por incentivar a migração de franceses para o país vizinho.
Na prática, o IGF respondia por 0,47% do PIB em arrecadação, menos de 1% do total arrecadado pela França.
Na Suíça, o imposto equivale a 0,16% do PIB em arrecadação, e é cobrado apenas em algumas regiões sobre cidadãos que possuem mais de US$ 50 milhões.
No Brasil, uma estimativa do Senado federal aponta que o imposto poderia arrecadar R$ 6 bilhões. Outra, feita pelo sindicato da receita, aponta que poderia arrecadar R$ 40 bilhões.
Pode parecer muito, mas o efeito diante de um orçamento com R$1,6 trilhão em gastos é irrisório. Se considerar a participação distribuída aos Estados, estaríamos falando aí de 2% do total de gastos.
Muito barulho por quase nada.
Há outros impostos, porém, que poderíamos rever. Um dos mais conhecidos é o imposto sobre dividendos, que tributa a distribuição de lucro.
Não é verdade, como dizem candidatos à presidência, que o Brasil não tribute o lucro. Cobramos, e muito, das empresas. Nosso imposto sobre lucro das empresas é o maior do planeta, em 34%, contra 26% dos Estados Unidos e 21% da Suécia por exemplo.
Ocorre que para cobrar impostos sobre dividendos, teríamos de reduzir o imposto sobre as empresas. A arrecadação não mudaria, mas isso teria um efeito positivo: com menos dinheiro saindo, as empresas teriam mais incentivos para crescer e investir. Se tornariam menos endividadas.
Também nos Estados Unidos e na Europa, é bastante comum se cobrar impostos sobre herança, bastante elevados.
A grande questão é o “corte”. Nos EUA, o imposto sobre herança, que pode chegar a 40%, é cobrado para heranças acima de US$ 5 milhões, enquanto no Brasil, a taxa de 4 a 8% é cobrada a partir de R$ 200 mil.
O resultado é que arrecadamos quase o mesmo que os americanos, cerca de 0,16% do PIB, mas taxamos a classe média.
Há inúmeras maneiras de se elevar a tributação sobre os mais ricos, algo que é necessário, e aliviar a tributação dos mais pobres. O fato é que, se queremos fazer isso, o caminho passa por entender a consequência de cada escolha, e não agir impulsivamente.
Ricos são mais espertos e têm melhores incentivos que políticos. Eles irão escapar de boa parte das artimanhas criadas no Congresso, seja no Brasil ou na Suécia. É uma mera questão de incentivos.
Justamente por isso, podemos começar reduzindo os subsídios. Ou, em outras palavras, a grana que o Estado dá aos mais ricos.
É mais fácil e lógico diminuir a grana repassada a grandes empresas, do que cobrar impostos. Quando isto for feito, quando tivermos realmente pessoas dispostas a combater os subsídios, aí estaremos prontos para discutir mudanças na tributação.
Até lá, tudo o que temos é retórica política e sentimentalismo barato.
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